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POR QUE É TÃO URGENTE UMA AMPLA REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL?

Por Assessoria Econômica Febrafite | Conceição Vilma Pinto

postado em 10/05/2019 12:35 / atualizado em 20/05/2019 11:58

Na década de 1960, os serviços, exceto comércios, respondiam por 36% da economia nacional. Em 2018, no entanto, esse número chegou aos 60%, representando, assim, um profundo esvaziamento da base de incidência do principal tributo estadual – o ICMS

O país vem passando por um período de baixíssimo crescimento econômico e estagnação da produtividade, em que reformas estruturais, tanto no campo macroeconômico, quanto no microeconômico, são fundamentais para a sua retomada. Assim, a necessidade de retomada do crescimento econômico e da produtividade, além e uma intensa crise fiscal em todas as esferas governamentais ampliam a discussão sobre a urgência por reformas estruturais, como a tributária, previdenciária, administrativa, orçamentária, e tantas outras necessárias.

No contexto estadual, apesar de existir a necessidade de realização de diversas reformas para superar a grave crise enfrentada por esses entes, nenhuma se mostra tão urgente quanto a reforma tributária.

Atualmente, a União tenta resolver a crise dos estados por meio de programas de recuperação fiscal, com aportes e refinanciamentos de dívidas[1]; exigindo pouca ou nenhuma contrapartida para tal benefício. Contudo, apesar de necessário a existência de algum socorro por parte da União, dado a gravidade das contas estaduais, ele não terá o poder de solucionar a crise, mas sim de postegar o problema, gerando um tempo para que as reformas estruturantes sejam realizadas.

Segundo dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), a carga tributária nacional atingiu 32,43% do PIB em 2017, sendo que desse valor, 48,44% correspondeu a tributação sobre os bens e serviços, 26,12% a tributação sobre a folha de salários, 19,22% sobre a renda e 6,23% da carga tributária total sobre outras bases.

Dessa forma, embora haja ineficiências em todas as bases de incidências, as propostas acabam por concentrar as discussões na tributação sobre bens e serviços. De fato, a tributação sobre o consumo, além de ter um peso importante na carga tributária total, apresenta uma série de distorções que afeta a produtividade e o crescimento econômico. Mas, além disso, a tributação sobre os bens e serviços tem um peso muito importante na carga tributária dos governos estaduais, de forma que a eliminação destas distorções também pode contribuir para a superação da grave crise dos estados.

Assim, uma reforma tributária que trate da tributação indireta sobre bens e serviços, deverá cobrir não só a tributação a nível federal, como também a níveis subnacionais. Hoje, embora o ICMS seja o tributo que mais arrecada em termos de volume, é também o que mais tem sofrido os efeitos negativos do sistema tributário atual.

Sabe-se que a economia sofreu grandes mudanças em sua estrutura desde a Emenda Constitucional nº 18 de 1965 (Reforma do Sistema Tributário) e a Constituinte de 1988. Contudo, o sistema tributário nacional não acompanhou essas mudanças, o que contribuiu, entre outros fatores, para um forte desequilíbrio na divisão federativa da carga tributária nacional.

Olhando a decomposição da atividade econômica, em valor adicionado, temos que, em 1965 (ano em que foi promulgada a EC nº 18/65), 16% do valor adicionado da economia era da agropecuária, 32% das indústrias, 16% do comércio e apenas 36% dos serviços. Contudo,  no contexto atual, verifica-se outra realidade: a agropecuária responde por apenas 5%, as indústrias por 22%, o comércio por 13% e os serviços representam 60% da economia.Desta maneira, nota-se que a mudança ocorrida na composição da atividade econômica contribuiu para um forte esvaziamento da base de incidência tributária da principal receita própria dos estados – o ICMS.

Além disso, a possibilidade de fixação de alíquotas diferenciadas por produtos, serviços e a existência de múltiplos regimes tributários conferem um elevado grau de complexidade para a tributação sobre o consumo.

Não apenas a complexidade, as mudanças no padrão de consumo e os elevados gastos tributários[2] motivados pela guerra fiscal do ICMS, a regressividade também se coloca como uma distorção do sistema tributário atual.

Quando se compara a carga tributária brasileira vis-à-vis a média de países da OCDE e da América Latina e Caribe, nota-se que, em nível, a carga tributária do Brasil é muito próxima a média dos países membros da OCDE e muito acima da média dos países latinos – gráfico 1. Em termos de composição, no entanto, observa-se diferenças grandes entre os países da OCDE e o Brasil. Enquanto o peso da tributação sobre o consumo no Brasil é de cerca de 48%, na média dos países da OCDE esse peso é de 32%. Já quando olhamos a tributação sobre a renda, na média dos países da OCDE, tem-se um peso de 33%, enquanto que no Brasil essa tributação é de apenas 20%.

Uma reforma ideal, portanto, deve ser aquela que tenha como características a neutralidade e a equidade, a fim de não distorcer a forma de organização das empresas e permitir ponderar a carga tributária para que ela se mantenha sem privilégios no tratamento dos cidadãos e das empresas. Além disso, é importante que haja simplicidade e transparência.

Desse modo, além de o sistema tributário necessitar atingir esses princípios, é importante que se pense em estratégias que mantenham a autonomia tributária dos governos subnacionais. Um sistema tributário que olhe não só para o padrão econômico atual, mas que também permita adaptação às eventuais mudanças que podem ocorrer nos padrões de consumo, estará melhor preparado para mudanças que afetem estruturalmente a base tributária dos entes.

Gráfico 1 – Comparação internacional da carga tributária – em % do PIB.

Fonte: FGV/IBRE.

 

 

Fontes:

[1] Em 2014 houve a LC 148/14 que alterou os encargos financeiros da Lei 9496/97, em 2016 houve, por meio da a LC 156/16, a renegociação das dívidas com a União, com alongamento de 20 anos e com redução extraordinária das parcelas devidas (http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/veja-o-balanco-dos-estados-que-aderiram-a-renegociacao-de-divida-com-uniao-e-bndes.); além disso a União também lançou o regime de recuperação fiscal para estados em situação mais graves. Agora a União anuncia mais um plano de socorro, o programa de equilibrio fiscal, que pretente ajudar aos estados com aval para novos créditos de até R$ 40 bilhões em 4 anos, tendo como contrapartida a realização de um ajuste fiscal (https://www.valor.com.br/brasil/6155523/plano-exige-corte-real-de-gasto-nos-estados-ate-2022).

[2] Para uma análise sobre os gastos tributários do ICMS, ver a edição nº 01 deste boletim. Disponível em: http://www.febrafite.org.br/os-elevados-e-descoordenados-beneficios-fiscais-do-icms/

 


*Vilma Pinto é economista pela UERJ, mestre em economia empresarial e finanças pela FGV/EPGE, pesquisadora da FGV/IBRE na área de finanças públicas e colaboradora da Febrafite.


As opiniões expressas neste documento são exclusivamente dos autores e não expressam necessariamente as da Febrafite.

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