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Folha de SP | Governo federal precipitou crise nos Estados, diz secretário paulista

postado em 29/06/2016 18:03 / atualizado em 29/06/2016 18:08

Secretário de Fazenda de São Paulo, Renato Villela, 60, atribuiu culpa ao governo federal pela crise dos Estados. Ele diz que União induziu os entes a se endividarem.

O objetivo era estimular a economia, mas também liberar recursos da União para “fazer obras que dariam prestígio político” ao governo federal, diz ele.

O endividamento excessivo abriu a porta para o aumento de gastos nos Estados e levou à crise, que fez o Rio a decretar calamidade.

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Folha – São Paulo ficou em desvantagem na negociação da dívida dos Estados?
Renato Villela – Se São Paulo fosse atendido da mesma forma que os demais, não haveria recursos para todos. Ainda assim, conseguimos melhorar a proposta anterior, que era um desconto de R$ 160 milhões [no pagamento mensal à União]. Conseguimos elevar [o desconto] para R$ 400 milhões.
Mas não foi só SP que saiu da mesa sem levar tudo o que havia pedido. Outros Estados, principalmente os que têm pouca dívida, saíram com uma promessa de que o governo federal vai tratar do seu problema.

Que problema?
O pleito desses Estados é alongar a dívida que têm com o BNDES e permitir novas operações de crédito, no caso dos que estão abaixo do limite fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O que acha disso, dada a situação delicada dos Estados?
O nível de endividamento de alguns Estados está relativamente baixo e comporta algumas operações de crédito. Talvez não tanto quanto eles gostariam. O problema principal é como vai reagir a economia e, com ela, a arrecadação. Aumentar o endividamento é passo arriscado.

Para quem?
Para todos, dadas as incertezas no ritmo de crescimento da economia. Estou assumindo que, se pediram, têm capacidade de se endividar.

Se conseguirem, liberam recursos para outras despesas e poderiam retomar investimentos, que seria a melhor forma de auxiliar o esforço de recuperar o crescimento.

Mas não foi o endividamento excessivo que gerou a crise dos Estados?
É verdade, mas não é toda a verdade. De fato houve certa euforia e leniência do governo federal. Há basicamente três fontes de financiamento de investimentos nos Estados: recursos próprios, convênios com a União —e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) era um exemplo típico— e as operações de crédito.

Os convênios com a União são analisados pasta a pasta. Por exemplo, o secretário de saúde conversa com o ministro da saúde sobre um investimento, o de transportes com o ministro das cidades. Os ministérios têm seus orçamentos para esses convênios.

O governo federal, em vez de liberar recursos dos convênio, falava: ‘vai no Tesouro e pede um empréstimo, porque estamos organizando para que os bancos deem empréstimos para vocês’. Os bancos davam e o Tesouro excepcionalizava as condições de contratação e segurava o convênio.

O que é excepcionalizar?
Permitiu que os Estados tomassem crédito mesmo que tivessem acima de alguns limites. A legislação que regula o endividamento público permite que haja exceções em alguns casos e o Tesouro sempre autorizava as exceções.

Que tipo de exceção?
No limite da dívida como percentual da receita. Outra coisa foi fazer com que várias operações de crédito, mesmo internas, fossem garantidas pela União. Isso faria, em tese, com que os bancos reduzissem os juros, principalmente BB e Caixa.

Isso não aconteceu, [os bancos] continuaram cobrando taxas mais altas. Muitos Estados procuraram dívida externa, porque as taxas no exterior estavam em baixa e, com o dólar barato, era extremamente atrativo.

Para reduzir seus gastos em convênios do PAC, o Tesouro disse para os Estados se endividarem. Então foi uma política que induziu os Estados a se endividarem, em vez de usar recursos próprios ou de convênios.

Os Estados passaram cada vez mais a concentrar seu mix [de financiamento] em operações de crédito. Isso criou uma folga nos recursos próprios para atender os problemas que se tinha, com custeio e pessoal. É preciso lembrar que isso ocorreu em meio às passeatas de 2013. Havia demandas a atender.

O que queria o governo? Tentava estimular a economia?
Também. Mas acho que foi mais uma questão pragmática, de deixar que os Estados que quisessem fazer investimentos se endividar e ‘me libera para eu usar meu dinheiro para fazer coisas que vão me trazer prestígio político’.

Por outro lado, não podemos deixar de dizer que, nessa mudança nas fontes de financiamento, houve alguns Estados que tiveram uma propensão maior em aumentar gastos correntes.

Faltou prever que a economia poderia virar?
Faltou coordenação, colocar restrição para o gasto, tomar cuidado com a legislação federal que cria gastos para Estados e municípios. Esse foi um dos ganhos que tivemos desde 1997, com o refinanciamento das dívidas estaduais e a LRF.

Depois do boom das commodities, da época da euforia, essa função foi abandonada. O governo central parou de se preocupar com isso e jogou pela janela a política de contenção de crédito a Estados e municípios, liberou mais do que devia.

E parou de se preocupar com o impacto de leis sobre os entes, ‘isso é problema dos Estados’. O piso da educação é um exemplo, assim como a proposta de elevar os salários dos policiais. O governo federal simplesmente se eximiu.

Como estão as contas de SP?
Sem a negociação da dívida, SP já não teria problemas para pagar a folha e os fornecedores. À medida que as perspectivas de receita foram se deteriorando, nós fomos tomando medidas de contenção. Fizemos dois contingenciamentos de R$ 7 bilhões cada, cortamos gastos de custeio em 16% em 2015 e neste ano vamos cortar mais 10%.

A arrecadação paulista sugere alguma retomada?
Perdemos R$ 1 bilhão em abril em relação ao que projetamos e este mês está muito ruim também.

Os números que mostram alguma recuperação estão nos setores exportadores, com a desvalorização cambial. Só que exportação não paga imposto. Cerca de 20% a 25% da nossa receita vem de importações, que estão caindo pelo mesmo motivo.

Toda a área do petróleo, por conta de medidas equivocadas desde 2010, está numa crise fantástica. Foi uma grande bobagem mudar o regime de exploração do pré-sal, em 2010. A Petrobras parou de investir, depois veio a Lava-Jato, a queda do preço do petróleo. Tudo isso afetou de forma negativa o setor.

O sr. foi secretário do Rio, por que o Estado está tão pior?
Até 2007, o Rio vivia quase em coma. A partir daí, começou um reerguimento puxado pelas políticas fiscal e de segurança, com a pacificação das comunidades. Enquanto a economia bombava, era possível financiar isso. O sucesso da política de segurança gerou uma demanda pela aceleração das UPPs.

O governo teve que aumentar o efetivo da PM e a remuneração dos policiais, além de alguns investimentos nas áreas atingidas, como o teleférico do Alemão.

Em 2010, acontece a decisão ‘muito sábia’ [ironizando] de mudar o regime de exploração de petróleo. Houve uma natural retração do investimento. Com o tempo, veio a queda do preço do petróleo e a Lava-Jato. A Petrobras se desestruturou completamente.

A Petrobras é de longe o principal contribuinte do Rio e o motor do seu desenvolvimento. Em alguns meses, o setor chegava a representar 50% da arrecadação. Toda vez que a Petrobras importava uma plataforma, era ICMS na veia. E isso parou.

Houve gastança?
Se me perguntar se houve aumento de gastos com pessoal, houve. Mas gastança não sei. Havia muita demanda social. É preciso entender que serviço público de Estados e municípios é intensivo em mão de obra. Educação, saúde e segurança é gente. Exigir que Estados e municípios não gastem com pessoal é um pouco irreal.

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Entrevista publicada na Folha de SP, no dia 26/06. 

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