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As portas do inferno

Por Onofre Alves Batista Júnior | O Tempo

postado em 18/03/2019 12:10 / atualizado em 18/03/2019 12:10

Ao anunciar a ideia de desvincular o orçamento de Estados e Municípios, o Ministro Paulo Guedes declarou que “depois de 30 anos de hegemonia da socialdemocracia, finalmente estava aparecendo a outra perna. Você precisava de uma liberal democracia, como uma aliança de conservadores com liberais.” Essa frase meio confusa é que é o pano de fundo da Proposta de Emenda Constitucional do Pacto Federativo.

O projeto tem dois eixos: um programa de renegociação de dívidas (Plano Mansueto) e a desvinculação do orçamento, pondo fim à obrigatoriedade de gastos sobretudo com a saúde e educação. A desvinculação orçamentária não abre as porteiras de um novo federalismo, mas abre as portas do inferno para os já deficientes serviços de saúde e educação, e para a pesquisa científica. A proposta tão somente propiciará o desmantelamento da máquina prestacional fazendo sofrer a população mais carente. A ideia afronta à Constituição de 1988, apesar dos debates pré-eleitorais ter deixado claro que o povo brasileiro não quer substituí-la.

A obrigação de utilizar parcela dos recursos em educação e saúde, por exemplo, visa dar efetividade aos direitos sociais que garantem a dignidade da pessoa humana (cláusula pétrea). A proposta transforma normas constitucionais vinculantes em meras normas programáticas.

Se o Governo realmente deseja salvar o combalido pacto federativo, que use o outro lema: “mais Brasil e menos Brasília”! Este exige sacrifícios dos rentistas e do governo federal, mas não da população carente. Afinal, 67% do total dos tributos são recolhidos para a União; que cria apenas contribuições e as desvincula com a DRU para não compartilhar impostos com os Estados; que pagam suas dívidas para com a União sujeito a juros escorchantes (só Minas Gerais sangra mais de 500 milhões mensalmente)! Desde 1988, o pacto federativo vem sendo corrompido. Foi a União que imunizou a exportação de commodities e, apesar de derrotada no STF, não compensa os valores de ICMS subtraídos dos Estados e Municípios. Só nesse ponto, MG teve mais perdas (132 bilhões) do que o total de sua dívida (cerca de 100 bilhões). Isso que precisa ser ajustado para se corrigir o desequilíbrio federativo.

A desvinculação tão somente servirá para retirar recursos da educação e saúde para pagar as dívidas para com a União. A proposta tão somente desmonta o federalismo cooperativo liberal igualitário e consagra a ideia de um federalismo canibal de viés libertário.

*Onofre Alves Batista Júnior é professor de direito público da UFMG.


Artigo publicado no jornal O Tempo, em 17/3.

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