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Artigo: Os bilhões ocultos das renúncias tributárias

Por Marco Túlio, Michel Gradvohl e Rodrigo Spada / Gestão, Política & Sociedade do Estadão

postado em 30/06/2020 9:26 / atualizado em 30/06/2020 9:26

 

A existência do Estado requer recursos financeiros que decorrem de 3 fontes: 1) emissão de moeda (que causa efeitos inflacionários), 2) endividamento público (que provoca o aumento das taxas de juros e do serviço da dívida), e 3) tributação (cujas variáveis são a progressividade do modelo, a eficiência do sistema, e a capacidade da sociedade em contribuir).

Atendo-nos à tributação, e abstraindo a análise do sistema tributário atual, constata-se que quando se concede renúncia tributária o agente econômico ou setor específico está subtraindo recursos do orçamento do Estado em prejuízo do bem comum.

As renúncias fiscais estão presentes em praticamente todos os tributos. Nos estados, em 2018, as renúncias, apenas com ICMS, somaram R$ 83 bilhões, 18,6% do total de ICMS arrecadado. No Amazonas atingiu 69,2% da receita com o tributo. A União estima deixar de arrecadar, em 2020, R$ 330 bilhões com incentivos fiscais, 4,6% do (PIB), equivalente ao gasto com educação e saúde no país.

Sabemos que as renúncias fiscais podem atender políticas públicas de valor estratégico. Contudo, sem transparência, debate adequado e instrumentos de controle e avaliação, os benefícios desejados sofrem distorções e se perdem nas intermediações.

Exemplo de que o bem comum está sendo deixado de lado é a isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos. Algo que só ocorre no Brasil e Estônia e, pasmem, foi instituído pela lei 9.249/95, já na vigência da Constituição Cidadã que criou o imposto condicionando-o à regulamentação.

Por vezes, as renúncias fiscais são fonte de desigualdade. Exemplo, quando são concedidas a empresas que já possuem vantagem evidente no mercado, prejudicando a concorrência, ou quando atraem empresas para regiões que já possuem elevado IDH e baixa taxa de desemprego.

Denúncias de motivações pouco republicanas para o deferimento das vantagens tributárias são percebidas. O gasto tributário pode diminuir a arrecadação pública a ponto de inviabilizar a saúde fiscal do ente federativo que o defere (União, UFs ou municípios). Foi o que vimos no Estado do Rio de Janeiro que precisou decretar estado de calamidade pública em 2016 e até hoje não conseguiu recuperar suas finanças.

Quase nunca a renúncia é concedida com objetivos e metas claras. Isso inviabiliza a aferição do interesse público pretendido. A publicidade de objetivos e metas para as renúncias tributárias também proporcionaria controle social, inclusive sobre a razoabilidade dos parâmetros de motivação utilizados no deferimento das benesses. Apesar do princípio constitucional da publicidade, até os Tribunais de Contas têm dificuldades em obter dados do gasto tributário.

Poder-se-ia disponibilizar dados consolidados para a sociedade e órgãos de controle sem identificar os beneficiários, preservando o sigilo fiscal, de forma tal que possibilite a análise da efetividade das renúncias, em especial o impacto financeiro.

Feito o diagnóstico, para melhorar a gestão das renúncias fiscais propomos incluir na Lei de Responsabilidade Fiscal os seguintes comandos:

1) Que a regra para a concessão de benefícios fiscais não seja por meio de renúncia de receitas, por estas serem pouco transparente e de difícil controle, mas por dotações debatidas e incluídas nas Leis Orçamentárias Anuais.

2) Que o deferimento de benefícios fiscais esteja vinculado à divulgação da motivação e fundamentação da decisão, do impacto financeiro, assim como das metas e objetivos de interesse público a se aferir.

3) Que nas prestações de contas dos governos sejam informadas todas as renúncias orçamentárias com benefícios, assim como demonstradas a aferição das metas e objetivos de cada benesse, fundamentando sua revogação ou manutenção. Necessário ainda tipificar como improbidade administrativa o não cumprimento do disposto.

A necessidade de enfrentar as consequências econômicas e fiscais da atual crise de saúde pública torna ainda mais importante um sistema eficiente de controle de renúncia fiscal dado o relevante montante que, somados União e Estados, ultrapassa R$410 bilhões. O fim das renúncias tributárias que já era necessário agora se tornou imperativo.

Marco Túlio Silva é auditor fiscal do Estado de Minas Gerais. Economista, especialista em direito tributário pela USP e em Inovação pela Keep Learning School.

Michel Gradvohl é auditor fiscal do Estado do Ceará, formado em engenharia civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em direito pela Unifor. É doutor em ciências jurídicas e sociais pela UMSA. É conselheiro no Contencioso Administrativo Tributário e no Conselho de Defesa dos Contribuintes do Ceará.

Rodrigo Spada é auditor fiscal do Estado de São Paulo, presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo). É formado em engenharia de produção pela UFSCAR, em direito pela Unesp e possui MBA em Gestão Empresarial pela FIA.

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Artigo originalmente publicado no Blog Gestão, Política & Sociedade do Estadão. Clique aqui para acessar!

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