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Encerramento com foco no futuro: tributação digital, inteligência artificial e justiça fiscal

Por Cledivânia `Pereira | Febrafite

postado em 18/06/2025 19:00 / atualizado em 25/06/2025 15:18

As três últimas mesas do 9º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, realizadas na tarde desta quarta-feira (18), na Universidade de Coimbra, encerraram o evento com debates sobre os rumos da administração tributária diante de transformações globais. Representantes de Portugal, Brasil, Espanha e Cabo Verde abordaram os impactos da economia digital, os limites e potenciais da inteligência artificial no setor público e os desafios de integrar justiça social às políticas fiscais.

Com abordagens complementares, os especialistas destacaram que tecnologia, ética e justiça precisam caminhar juntas num cenário de mudanças aceleradas. O evento terminou com a leitura da Carta de Coimbra e o anúncio das próximas cidades-sede: Belo Horizonte (Brasil) em 2026 e Funchal (Ilha da Madeira, Portugal) em 2027.

Tributação da Economia Digital: fronteiras fiscais em tempos de plataformas

Abrindo a tarde de debates, a mesa sobre a tributação da economia digital reuniu reflexões críticas sobre os impasses jurídicos e estruturais enfrentados pelos sistemas fiscais diante da virtualização da economia. A mediação foi conduzida por Pricilla Maria Santana, secretária da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.

A primeira intervenção foi da professora Sara Luís Dias, do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, que trouxe uma leitura jurídica sobre os desafios transnacionais do tema. Para ela, questões jurídicas como distinguir “residência fiscal” de “morada fiscal” é central para entender os conflitos em contextos de mobilidade internacional e vínculos múltiplos.

Sara pontuou que os sistemas fiscais enfrentam crescentes dificuldades para adaptar suas legislações à realidade digital, onde a “geração de renda é muitas vezes virtual e descentralizada”. A expansão do comércio eletrônico e a mobilidade global acentuam a complexidade da identificação do local de tributação.

Em seguida, Ana de La Herrán, presidente da International Horizon Europe, analisou os limites do modelo tradicional de tributação direta. Segundo ela, a dependência da presença física e dos preços de transferência tornou-se obsoleta diante da atuação de plataformas digitais globais. “A economia digital não conhece fronteiras, mas o imposto, sim”, afirmou, ao apontar a lentidão das reformas internacionais e apontar que o sistema atual amplia a perda de receita e a desigualdade.

Fechando o painel, José Roberto Afonso, vice-presidente do Fórum de Integração Brasil Europa, chamou atenção para o descompasso entre realidade econômica e política tributária. Para ele, as empresas digitais prosperam em parte por serem “negócios não tax friendly”, penalizando quem é taxado. “Estamos pensando e atuando sobre um mundo que talvez não exista mais”, alertou. O economista destacou ainda a complexidade crescente em torno da tributação do trabalho, com a emergência de trabalhadores transnacionais e novas formas de distribuição de renda. “Antes, lidávamos com empresas transnacionais. Agora, temos também trabalhadores transnacionais. Tributar se tornou uma confusão.”

Inteligência Artificial nas Administrações Tributárias: inovação com responsabilidade pública

A segunda mesa da tarde discutiu o papel da inteligência artificial nas administrações fiscais, reunindo experiências institucionais e reflexões críticas sobre o uso ético da tecnologia. A mediação ficou a cargo de Matilde Lavouras, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Ana Mascarenhas, subdiretora da Autoridade Tributária de Portugal, abriu o painel com uma apresentação sobre o uso atual da IA no sistema fiscal. Segundo ela, a evolução da capacidade de processamento e o crescimento exponencial de dados criaram as condições para adoção da IA generativa. Ressaltou, contudo, que a tecnologia deve ser vista como ferramenta de apoio e não como substituta do julgamento humano: “não decisor, mas apoio à decisão”.

Ana alertou ainda para os riscos éticos e sociais, citando o “caso Robodebt”, na Austrália, e o escândalo algorítmico nos Países Baixos que levou à queda do governo. Defendeu que o uso da IA seja acompanhado por supervisão humana, boas práticas de governança de dados e o fortalecimento de marcos legais como o AI Act europeu. Mencionou também novas ameaças, como falsificações por IA, simulações empresariais e manipulação de algoritmos.

A seguir, Maria Manuel Leitão Marques, da Faculdade de Economica da Universidade de Coimbra, compartilhou sua experiência à frente do programa Simplex, do Governo Portugues. Apontou que, para inovar, foi necessário romper com a cultura do “diga não” e substituí-la por uma abordagem resolutiva, o “diga sim”. Alertou, no entanto, que no processo de tentar simplificar e modernizar a máquina pública “corremos o risco de criar uma burocracia eletrônica ainda mais complicada”. Ressaltou que, apesar da resistência inicial, a área tributária se transformou numa das mais modernas do serviço público em Portugal. “Quem nunca falha, provavelmente inova pouco”, apontou como um chamamento à inovação.

O auditor Luís Henrique Domingues, da Receita Federal do Brasil, apresentou o sistema Classif, plataforma pública de informações fiscais sobre comércio exterior. Com foco na valorização da inteligência humana, o sistema oferece acesso gratuito a dados estruturados e confiáveis, promovendo eficiência e transparência na gestão tributária.

Encerrando a mesa, Sandra Machado, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, apresentou o conceito de “Administração Tributária 3.0”. Para ela, “a IA amplia, e não substitui a inteligência humana” e pode transformar e fortalecer a relação entre Estado e cidadão. Sandra defendeu um modelo tributário baseado transparência, inteligência preditiva e confiança institucional: “o que está em jogo é a confiança do sistema com a sociedade”.

Fiscalidade e Justiça: o tributo como instrumento de bem-estar social

A última mesa do Congresso reuniu perspectivas sobre o papel redistributivo da política tributária, em diálogo com desafios ambientais, fiscais e institucionais. A mediação ficou por conta de Fátima Cartaxo, do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Fabrízio Gomes Santos, da Secretaria da Fazenda do Ceará, abordou o impacto da transição energética sobre a arrecadação estadual. Destacou que a substituição da matriz energética exige um novo equilíbrio: “é preciso encontrar o mecanismo para taxar estas energias (mantendo a atração de investimentos), para que não sejam beneficiadas apenas as grandes empresas, em detrimento das necessidades sociais do Estado”. Defendeu uma política fiscal que combine eficiência arrecadatória e justiça social: “Nossa missão é melhorar a vida dos nossos cidadãos arrecadando com justiça – justiça do contribuinte e justiça social”.

Na sequência, Daniel Taborda, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, concentrou sua apresentação na busca por maior justiça social no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). O professor apontou que o modelo atual ainda carrega desigualdades estruturais e muitas vezes reproduz assimetrias de renda em vez de corrigi-las.

Encerrando a programação, Liza Vaz, diretora das Receitas do Estado de Cabo Verde, defendeu que a justiça é a base do direito tributário. “Quando todos pagam, pagamos menos”, afirmou. Ela reforçou que o tributo deve ser compreendido como instrumento de cidadania, com regras claras, gestão eficiente e foco na equidade. “O maior investimento que um país pode fazer é investir na estrutura tributária, pois é a partir do tributo que vêm todos os benefícios e o desenvolvimento social.”

Sobre o evento

O 9º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais reuniu, ao longo de quatro dias, cerca de 400 participantes do Brasil, Portugal, Espanha, Moçambique e Cabo Verde. O tema do ano foi  “Um sistema tributário global e inclusivo: promotor de justiça social e crescimento econômico sustentável”. Foram realizadas mesas temáticas, apresentações técnicas e debates estratégicos sobre justiça fiscal, cooperação internacional, economia digital e inovações no campo da arrecadação .

A iniciativa foi promovida pela Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (APIT), de Portugal; pela Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite); pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional); e pela Law Academy – Escola de Direito e Finanças Públicas.

Assista todas as palestras do Congresso no canal da Febrafite no Youtube:

➡️ Palestras dia 16.06.2025

9.° Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais

➡️ Palestras dia 17.06.2025

9.° Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais

➡️ Palestras dia 18.06.2025

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