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Reforma Tributária e anterioridade: quais os limites para a tributação progressiva de heranças, legados e doações?

Por Alan Martins, Dimas Yamada Scardoelli e Rodrigo Spada

postado em 01/03/2024 12:27 / atualizado em 01/03/2024 12:27

A Reforma Tributária foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023 (Emenda Constitucional nº 132/2023) e uma das alterações que propiciou no texto da Constituição Federal de 1988 (CF) é a expressa previsão de que o imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD) será progressivo.

Em linhas gerais, o aspecto quantitativo de um imposto (“valor a pagar”) é resultado da multiplicação de uma base de cálculo (em R$) por uma alíquota ad valorem (um percentual – %). Um imposto é proporcional na medida em que estipula a mesma alíquota para qualquer que seja a base de cálculo, tal qual o exemplo do ITCMD paulista atualmente em vigor, cuja alíquota é de 4%, independentemente do valor venal do bem ou direito transmitido.

Por sua vez, um imposto é progressivo quando apresenta alíquotas diversas conforme ocorra a oscilação da base de cálculo. O imposto de renda da pessoa física (IRPF) é o exemplo mais clássico. Após faixa de isenção, suas alíquotas variam de 7,5% a 27,5% (isenção, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), variação essa que se perfaz de acordo com aumento dos patamares de bases de cálculo, ou seja, de acordo com o aumento das faixas de rendimentos dos contribuintes.

Até a promulgação da Reforma Tributária, não havia previsão no texto constitucional para a progressividade no ITCMD. Entretanto, a progressividade já era facultada pela Resolução do Senado Federal nº 09/92, respeitado um teto de 8% (alíquota máxima), com precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal considerando essa técnica de tributação constitucional. Nessa direção, merece ser destacada a tese do tema 21 de Repercussão Geral (“é constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”).

Agora, com a Reforma Tributária, está expresso na CF que o ITCMD “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação” (CF, art. 155, § 1º, VI). Veja-se, então, que, além de estabelecer essa progressividade, a nova ordem jurídico-tributária implementada pela Reforma determina como base de cálculo o valor do quinhão ou do legado nas transmissões causa mortis, e não o valor total da herança a ser partilhada. Logo, ainda que a totalidade dos bens deixados pelo falecido seja vultosa, caso haja um grande número de herdeiros, de forma que essa divisão não implique em acréscimo patrimonial significativo para cada um, nesse caso, a alíquota não deverá ser majorada.

Essa determinação constitucional de progressividade para o ITCMD demandará a alteração, em grande parte dos Estados, das leis estaduais instituidoras desse imposto. Essas alterações normativas poderão implicar a fixação das faixas de base de cálculo pelas quais as alíquotas deverão progredir, implementando-se, assim, a tributação progressiva do imposto naqueles Estados em que o ITCMD, até então, era proporcional.  Em outros casos, em que a legislação estadual já contemplava a progressividade de alíquotas em razão da simples oscilação do valor venal dos bens transmitidos causa mortis, também será necessário adequá-las ao critério estabelecido na Reforma Tributária (“em razão do quinhão, do legado ou da doação”).

Partindo-se dessas premissas, uma questão que se coloca é se essas alterações das leis estaduais vigentes implicarão em necessário aumento do ITCMD devido, ao menos para alguns contribuintes.

A resposta a essa dúvida é importante, na medida em que o sistema tributário nacional tem entre os seus princípios norteadores o da anterioridade, em duas vertentes, a anual e a nonagesimal. Em outras palavras, segundo a Constituição Federal, ressalvadas algumas exceções, é vedada aos entes tributantes a cobrança de tributo “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (Princípio da Anterioridade Anual) e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (Princípio da Anterioridade Nonagesimal).

O Princípio da Anterioridade tem o condão de evitar que o contribuinte seja surpreendido com o aumento de tributos, de maneira que, no exemplo do ITCMD, um eventual aumento só produzirá efeitos no ano seguinte à publicação da lei que o majorou, respeitado, ainda, um lapso temporal de, no mínimo, 90 dias dessa publicação.

Portanto, cada Estado terá que analisar a necessidade de adequação de sua lei instituidora do ITCMD para a efetivação da progressividade nos termos da Reforma Tributária. Em sendo necessária a alteração legislativa, a análise sobre os efeitos em termos de aumento de carga tributária passa a ser de rigor. E, ao se vislumbrar esse aumento em relação ao cenário pré-Reforma, mesmo que apenas para uma parcela do universo de contribuintes, o Princípio da Anterioridade (nas duas vertentes, anual e nonagesimal) deverá ser respeitado.

Nesse ponto, adquire extrema relevância a atuação das Administrações Tributárias estaduais, no papel de subsidiar o Poder Legislativo sobre os efeitos da implantação ou da adequação da progressividade no ITCMD. Cumpre a elas contribuírem para que seja efetivada a justiça tributária que se busca com a Reforma. Mais do que isso, propiciar o respeito a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre elas o Princípio da Anterioridade, de modo a se garantir uma arrecadação segura e a redução da litigiosidade, mediante a atenuação dos riscos de questionamentos judiciais.

 

Alan Martins – Auditor Fiscal da Receita Estadual/SP e Diretor de Gestão de Conhecimento da AFRESP

Dimas Yamada Scardoelli –  Auditor Fiscal da Receita Estadual/SP e Doutorando em Direito pela UNESP

 Rodrigo Keidel Spada – Auditor Fiscal da Receita Estadual/SP e Presidente da FEBRAFITE e da AFRESP

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Artigo originalmente publicado no portal Jota. Clique AQUI para acessar!

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