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Quem vai pagar a conta das desonerações da reforma tributária?

Por Alan Martins e Rodrigo Spada

postado em 07/05/2024 11:11 / atualizado em 07/05/2024 11:11

O Projeto de Lei Complementar de regulamentação da Reforma Tributária (PLP nº 68/2024) foi apresentado ao Congresso e já gera debates acalorados. A estimativa do Ministério da Fazenda é de uma alíquota padrão média de 26,5% para tributos sobre o consumo, abaixo dos 27,5% previstos inicialmente.

Essa queda se deve a avanços na proposta de regulamentação, como o crédito vinculado ao pagamento do tributo e o split payment, mecanismos que devem ajudar no combate à evasão fiscal e aumento da arrecadação. Mas um ponto crucial é a definição das exceções a essa alíquota média, isto é, dos bens e serviços que terão alíquotas zero ou com redução de 30% e 60%.

Exemplificativamente, o PLP propõe a inclusão de itens básicos como arroz, feijão e óleo de soja na cesta básica com alíquota zero. No entanto, grupos de interesse pressionam o Congresso Nacional para incluir outros produtos nessa exoneração, como lagosta e queijos mofados, e até caviar, na faixa de 60% de redução. Parafraseando o samba interpretado por Zeca Pagodinho: “Você sabe o que é caviar? Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. Um verdadeiro contrassenso à lógica da Reforma, que prima pela justiça tributária e a redução de desigualdades.

O pior é que cada ampliação descabida da lista de reduções representará, necessariamente, um elemento de pressão na calibragem da alíquota de referência. Ou seja, a projeção pode voltar a se elevar do patamar médio de 26,5%.

Para ilustrar o problema, imagine um churrasco entre dez amigos, a um custo total de R$ 1.000, onde cada um contribui com R$ 100. Essa divisão igualitária representa a ideia da alíquota padrão. No entanto, caso o dono da casa resolva incluir convidados extras sem prévio aviso, como o seu sogro e o seu cunhado, isso elevará o custo total para R$ 1.200. Alegando aos demais que “ficaria chato” para ele cobrar dos parentes, para manter o equilíbrio, os amigos originais teriam que pagar R$ 120, um aumento de 20% para cada um.

Essa analogia demonstra como a inclusão indiscriminada de itens nas faixas de redução de alíquota pode afetar o contribuinte em geral. Ao ceder à pressão de grupos de interesse, o Congresso correrá o risco de aumentar a alíquota padrão, onerando ainda mais aqueles que já pagam sua parte de forma justa.

A Reforma Tributária tem o potencial de construir um sistema tributário mais justo e equilibrado para todos. É fundamental, para isso, que os debates sejam permeados pela busca do bem comum, evitando que o “churrasco da cidadania” se transforme em um banquete para poucos às custas de muitos.

Alan Martins é Auditor Fiscal da Receita Estadual de SP. Diretor de Gestão de Conhecimento da AFRESP e membro da Comissão Técnica da FEBRAFITE

 Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual de SP. Presidente da AFRESP e da FEBRAFITE.

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Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo. Clique aqui para acessar!

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