Por Rodrigo Spada
postado em 22/06/2023 12:25 / atualizado em 22/06/2023 12:25
O relatório com as diretrizes para PEC da reforma tributária aprovado na semana passada pelo Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados está, em sua maior parte, alinhado aos princípios de transparência, simplificação, justiça tributária e combate à sonegação, que têm permeado todo o debate sobre a reforma no Brasil. Há, entretanto, um ponto que destoa desse alinhamento. Há uma peça que evidentemente não combina com o restante do conjunto e que precisa ser alterada na versão final da PEC, sob risco de contaminá-la: a garantia de creditamento amplo não condicionado à efetiva comprovação do recolhimento do tributo.
Ao permitir que o creditamento seja feito sem o efetivo pagamento do tributo, o relatório deixa aberta uma porta anacrônica para que se perpetuem mecanismos que favorecem a sonegação fiscal e afetam negativamente toda a sociedade. Os bons empresários, que administram seus negócios com foco na competitividade e nos resultados, terão de enfrentar um ambiente concorrencial desleal, permeável a distorções que favorecem os maus pagadores de tributos.
Essa porta aberta à sonegação afeta também os cidadãos, já que será necessário esforço coletivo para custear inevitáveis aumentos de alíquota, necessários para suportar o rombo na receita pública causado pelos sonegadores.
O creditamento sem o efetivo pagamento do tributo ameaça, ainda, o próprio desenho institucional do novo sistema tributário. Como o Conselho Federativo do IBS vai repassar receita aos entes federativos no final da cadeia se, no meio dela, o imposto não foi recolhido? A forma de evitar o desmoronamento do sistema seria a elevação da alíquota para a constituição de um fundo para a inadimplência. Uma alternativa menos eficiente e muito mais cara que o creditamento mediante comprovação do recolhimento do tributo.
Há, ainda, outro problema decorrente dessa diretriz que consta no relatório do grupo de trabalho: ela perpetua os elevadíssimos índices do contencioso tributário no Brasil, já que os créditos respondem por boa parte da judicialização de questões tributárias no país.
Os próprios integrantes do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária apontam para a importância do efetivo pagamento do tributo para seu creditamento ao afirmarem que a medida seja indicada “como alternativa para ser implementada no futuro próximo, nos termos da lei complementar, onde já se preveja, por exemplo, o split payment”. Não precisamos deixar isso para depois. Não podemos deixar isso para depois.
É fundamental destacarmos que a reforma tributária que está em debate foi pensada para garantir um crédito simples, rápido, amplo e seguro, do imposto pago na compra. Estas características são desejáveis porque são adequadas à existência de um bom ambiente de negócios para todo o país, com estímulo à livre iniciativa, à concorrência leal, à criação de novos negócios, ao crescimento das empresas, de empregos e da geração de renda. Todavia, para que isto seja viável, deve existir, desde o início, uma regra fundamental e intransponível: apenas compras cujo imposto tenha sido pago, no sentido de efetivamente recolhido, gera direito a crédito para o adquirente.
Se estamos propondo uma reforma do nosso sistema tributário, não devemos levar para o novo modelo instrumentos que causam justamente as distorções que queremos evitar. Não podemos desperdiçar a chance de acabarmos com subterfúgios que penalizam os bons contribuintes e cidadãos.
Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais). Formado em Engenharia de Produção pela UFScar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.
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Artigo publicado na Folha de S. Paulo. Clique no link para assinantes: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/06/o-ponto-que-destoa-e-contamina-o-relatorio-da-reforma-tributaria.shtml
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