Por Francisco Tavares, Pedro Mundim e Sara Felix
postado em 09/11/2022 11:37 / atualizado em 09/11/2022 11:37
* Francisco Tavares e Pedro Mundim, professores na UFG e pesquisadores do GESF/UFG.
Sara Costa Felix , auditora fiscal e presidente da Associação dos Funcionários Fiscais de Minas Gerais.
O debate sobre a reforma tributária no Brasil é, em grande medida, estabelecido a partir da premissa de que empresas e cidadãos querem pagar o mínimo e obter o máximo de serviços ou vantagens que lhes favoreçam diretamente. Esta lógica explicaria a inviabilidade política da ênfase em uma arrecadação progressiva, apta a mitigar as nossas pronunciadas desigualdades sociais e regionais. Se, contudo, o pressuposto da repulsa geral aos impostos não se confirmar empiricamente, novas e promissoras vias políticas para a justiça fiscal podem se abrir. Esta é a descoberta produzida por uma pesquisa com amostragem nacional realizada pelo Grupo de Estudos Sócio Fiscais – GESF, da UFG, com apoio da Febrafite (Associação Nacional das Associações dos Fiscais de Tributos Estaduais) e da Affemg (Entidade representativa dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas).
Ao se imaginar uma impopularidade geral dos tributos, é inevitável a conclusão de que, ao menos nas democracias, não há alternativa a pesarmos a mão na regressiva tributação do consumo, e, por outro lado, aliviarmos a cobrança sobre bases mais equitativas, como renda ou patrimônio. Este argumento encontra ampla ressonância na literatura econômica e jurídica e explicaria a preferência dos governos por bases de arrecadação não percebidas diretamente pelos contribuintes. A tese surge com o conceito de “Ilusão Fiscal”, lançado pelo economista italiano Amilcare Puviani, ainda em 1903; passa por Anthony Downs e sua célebre Teoria Econômica da Democracia; e, já com cores empíricas, chega ao influente livro “Tributação e Democracia”, de Sven Steinmo. No campo jurídico, conduz à definição do Direito Tributário como o regramento de um conflito estrutural entre fisco e contribuinte, cabendo às normas assegurar, em favor de indivíduos e empresas, limitações ao poder de tributar. A norma tributária é concebida como tão restritiva como a de Direito Penal, ao incorrer contra o direito fundamental de propriedade.
Pesquisas em todo o mundo têm indicado, porém, que as atitudes, opiniões e condutas dos contribuintes em relação ao fisco são mais colaborativas do que se supõe. Há um forte sentimento de pertencimento a uma sociedade regida por objetivos comuns no cumprimento das obrigações tributárias. Assim, o receio de sofrer fiscalizações ou o interesse individual em benesses do Estado são entendidos como fatores menos relevantes para explicar o cumprimento dos deveres fiscais. Está no passado o contexto sócio-histórico vivido entre os anos 1970 e 1980, que teve como emblema o referendo popular que aprovou uma medida restritiva da tributação sobre a propriedade de imóveis na Califórnia e marcou o início de uma tendência mundial de resistência aos tributos. Nos EUA, por exemplo, uma pesquisa produzida por Vanessa Williamsom, apresentada em livro que se tornou uma instantânea referência, descobriu que a população, em geral, vê o tributo como um dever cívico e uma obrigação moral cujo cumprimento desperta sentimentos como orgulho e honra. Além disso, um relatório da OCDE, baseado em dados referentes ao período compreendido entre 2010 e 2014, aponta que cargas tributárias mais elevadas estão correlacionadas com maiores níveis de aceitação e de adesão ao pagamento de impostos.
A pesquisa realizada pelo GESF-UFG com o apoio da Febrafite e da Affemg também encontrou, para o caso brasileiro, achados surpreendentes. A julgar pelos dados levantados no survey “O que os Brasileiros Pensam sobre Impostos”, conduzido entre julho e agosto de 2022, conceitos como “impostômetro” e campanhas como a do “dia da liberdade de impostos” – que acirram a oposição entre fisco e contribuinte – não refletem as atitudes e opiniões da maior parcela da sociedade.
Nada menos do que 57% da população brasileira concorda que a fiscalização e o combate à sonegação devem ser fortalecidos e priorizados pelos governos. Quanto à relação entre tributos e redistribuição, 67% das pessoas defendem que o Estado deve agir para reduzir as diferenças entre ricos e pobres, sendo que 41% são a favor de que este propósito se efetive por meio do aumento de impostos sobre herança e renda dos mais ricos, para apenas 30% de opiniões contrárias. Há, igualmente, uma rejeição pronunciada a condutas como a compra de mercadorias sem a emissão de nota fiscal ou a obtenção de descontos para consultas médicas particulares sem a emissão de recibo. Estes dados são ainda mais instigantes quando contrastados com as seguintes informações: 60% dos entrevistados declaram pagar uma quantidade muito alta de impostos, 71% entendem que recebem do governo menos do que pagam e 68% acreditam que a sociedade se beneficia pouco ou nada com as somas arrecadadas. Este achado sugere que as pessoas diferenciam o momento da arrecadação – entendido como justo e moralmente positivo – da gestão que os governos posteriormente realizam. Em síntese, há um sentimento solidário de se contribuir para o público e o comum, que não é abalado nem mesmo diante de uma frustração com a má atuação do Estado. Detalhes da pesquisa podem ser encontrados em www.sociologiafiscal.com.
A tributação, antes de uma luta entre fisco e contribuinte, é percebida pela população brasileira como uma dinâmica colaborativa, por meio da qual a sociedade estabelece e alcança objetivos associados a preferências eleitorais ou direitos fundamentais, como a redução das desigualdades. A descoberta deste ambiente social permite um giro no debate sobre a reforma tributária, uma vez que parlamentares e governantes saberão que medidas como tributos progressivos sobre a renda ou o patrimônio e aumento do esforço fiscal exigido dos mais ricos são, além de promissoras socialmente, populares e eleitoralmente proveitosas para quem as adota.
__________
Leia o artigo publicado no jornal Valor Econômico (Link para assinantes): https://valor.globo.com/opiniao/coluna/e-se-a-ideia-de-que-existe-repulsa-geral-a-impostos-estiver-errada.ghtml
Copyright © 2025. Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais - Todos os direitos reservados.