Por Alexandro Afonso, Eduardo Jaeger e Rodrigo Spada
postado em 08/05/2024 10:44 / atualizado em 08/05/2024 10:44
Inegável que a reforma tributária aponta para um futuro promissor, com maior simplicidade, neutralidade e uma racionalidade que promete entregar maior eficiência para a economia brasileira. O Projeto de Lei 68/2024, em suas mais de 300 folhas, detalha melhor diversos aspectos importantes, de alíquotas dos novos tributos à fiscalização. É um trabalho impressionante, dada a qualidade do texto e o exíguo prazo com que foi elaborado.
O texto traz, entretanto, uma lacuna que precisa ser preenchida: em seus quase 500 artigos, não há absolutamente nada a respeito da cobrança dos impostos não recolhidos. Há quem acredite que mecanismos como o “split payment” acabarão com todas as formas de sonegação e inadimplência, mas não é esse o comportamento dos contribuintes constatado na prática. Ainda que a maioria aja corretamente diante de suas obrigações tributárias, há, e sempre haverá, um percentual pequeno que só sobrevive sonegando, mesmo quando declara o que deve.
Na variante do ditado popular, é a turma do “não pago nem quando puder”, que leva ao limite a capacidade de ação estatal para promover a concorrência justa. O vazio de regulamentação a respeito dos tributos não recolhidos distancia o Brasil das práticas adotadas nos Fiscos mais desenvolvidos do mundo, justamente em um momento em que o país atua para estar mais alinhado às boas práticas internacionais. Além disso, essa lacuna ignora o que tem sido feito com muito sucesso em diversos estados brasileiros.
Nesse assunto, os estados têm boas lições a dar, sobretudo para o enfrentamento da chamada inadimplência contumaz, um conceito essencial para a justiça tributária.
Tomando-se o caso de São Paulo (e poderia ser Rio Grande do Sul, ou Minas Gerais, que possuem abordagens similares) a título de exemplo, a figura do devedor contumaz de ICMS foi objetivamente delimitada em lei complementar estadual (LC 1320/2018). Isso possibilitou a adoção de providências duras, direcionadas especificamente a esse segmento renitente. Tal marco legal, aliado a uma ampla revisão dos processos de trabalho, culminou em taxas de inadimplência no ICMS (3,3%) que a iniciativa privada sequer sonha. E essas taxas seguem com tendência de queda.
Para comparação, os textos técnicos da OCDE indicam como desejáveis patamares abaixo de 10%, apontando como melhores práticas as do fisco belga. Nos estados em que se regulamentaram normas que tratam adequadamente o inadimplente contumaz, tem-se tudo o que o Fisco da Bélgica tem.
Considere o leitor que o nome da atividade é cobrança, mas o trabalho é muito mais parecido com uma consultoria aos contribuintes, pois a inadimplência tributária pode levar uma empresa à falência. Nossas ações ajudam a trazer as empresas de volta às luzes da lei, o que é bom para os contribuintes e para o Estado, que passa a ter mais recursos para educação, saúde e segurança. O ganha-ganha se estende ao ambiente concorrencial, porque as empresas adimplentes, que são a ampla maioria (96,7% em valores financeiros no caso de São Paulo), não teriam chance de concorrer com quem não paga seus tributos.
Uma das ferramentas centrais para alcançar esse resultado é a aplicação do chamado regime especial para os inadimplentes contumazes. Ele permite, por exemplo, que seja estabelecido que os clientes desse tipo de devedor sejam responsáveis pelo recolhimento do imposto, o que cria um sistema de incentivos que repele o comportamento indesejado. Parece até milagre, mas muitos devedores entram na linha com esse tipo de intervenção.
O novo arcabouço tributário não pode prescindir de toda essa experiência acumulada. Não podemos nos enganar: a sonegação e a inadimplência de IBS e CBS existirão e o modo de combatê-las é uma cobrança eficiente. É uma questão fundamental para tirar pressão sobre a alíquota de referência e reduzir o peso da carga desses impostos para quem os paga corretamente.
Precisamos evitar que a reforma tributária seja, neste ponto, uma volta ao passado em que os estados não cobravam o imposto declarado ou apurado em autos de infração, premiando os sonegadores.
Esperamos que os parlamentares percebam a necessidade de corrigir essa omissão do texto do PLC 68/2024 apresentado, em benefício do Brasil e por uma alíquota de referência mais módica.
*Alexandro Afonso é auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e membro do Movimento Viva
**Eduardo Jaeger é auditor fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul e presidente da Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Estadual do RS (Afisvec)
***Rodrigo Spada é auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo (Afresp)
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Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense. Clique aqui para acessar!
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