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Bom senso e boa técnica devem prevalecer na tributação de alimentos

Por Alan Martins e Rodrigo Keidel Spada

postado em 16/07/2024 14:34 / atualizado em 16/07/2024 14:34

A Reforma Tributária prevê uma Cesta Básica Nacional de Alimentos com alíquota da tributação sobre bens e serviços reduzida a zero. Da forma como foi moldada no projeto de regulamentação PLP 68/2024, essa desoneração abrange arroz, leite, feijão, óleos e outros itens.

A medida mira o consumidor de baixa renda e, segundo estimativas do Ministério da Fazenda, associada à cesta básica estendida, que tem alíquota reduzida em 60%, deve propiciar uma diminuição da carga tributária sobre alimentos básicos, de 11,6% para 4,8%.

Antes da apresentação do relatório que lhes incumbia, os deputados do chamado G7, membros comissão constituída para debater a regulamentação da Reforma, chegaram a cogitar propor a ampliação da lista de alimentos com alíquota zero, mediante a inclusão de sal e proteínas animais, isto é, carnes bovina, suína, frango e peixes.

Essa redução poderia acabar saindo “uma emenda pior do que o soneto”, mas prevaleceu o bom senso e a melhor técnica de tributação no relatório, que foi  apresentado sem essa inovação e com manutenção da lista original de alimentos.

Agora, o projeto segue sua tramitação rumo à votação e pode receber emendas. Daí porque é importante trazer ao debate as razões pelas quais não seria uma boa medida incluir sal, carnes ou outros novos alimentos quaisquer na cesta básica com alíquotas reduzidas a zero.

Primeiro, porque essa ideia não revela qualquer potencial para minimizar a regressividade do sistema, efeito da tributação correspondente ao maior impacto sobre os contribuintes de baixa renda. Se a redução proposta é a mesma para todas as faixas de renda, a medida não reduz o maior impacto para as famílias de baixa renda, nem neutraliza os efeitos regressivos.

No âmbito da Reforma Tributária, o que realmente tem potencial para diminuir a regressividade é o chamado cashback, ou seja, a devolução  dos tributos a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda. Nesse caso, as estimativas do Ministério da Fazenda são de que a carga tributária sobre alimentos seja ainda mais reduzida para os beneficiários, no caso, para um patamar de 3,9%.

Sobre isso vale citar uma declaração do Deputado Arthur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados: “A gente tem que entender quais são as prioridades. Acho que a maior importância neste sentido é manter e aumentar o cashback para as pessoas do CadÚnico, com relação a serviços essenciais, o que gera um efeito muito maior do que incluir a carne, por exemplo, na cesta básica”.

Segundo, porque a inclusão de ainda mais exceções às alíquotas únicas de IBS e CBS, respectivamente, o imposto e a contribuição sobre bens e serviços, teria o efeito de aumentar a complexidade do sistema tributário. Com isso, seria contrariado, frontalmente, o princípio da simplicidade, um dos pilares da Reforma Tributária.

Mas, pior ainda, a inclusão de sal e carnes na alíquota zero da Cesta Básica Nacional de Alimentos poderia ter um grave efeito colateral. Acabaria aumentando a carga tributária para todos, em especial para a própria população de baixa renda, justamente aquela que se pretende proteger.

Caso a medida fosse adotada, para se manter os níveis de arrecadação e compensar a perda de receita com a desoneração de sal e carnes, poderia ser necessário aumentar as alíquotas de referência de IBS e CBS. Na prática, isso significa que todos pagariam mais tributos, inclusive sobre outros bens e serviços consumidos pela população de baixa renda, como gás, vestuário, higiene, limpeza e cuidados pessoais.

Por essas razões, andou muito bem a comissão ao deixar de incluir sal e proteínas animais na lista com alíquota zero. Até porque, nem mesmo a sugestão de intenção parcimoniosa, ventilada nos últimos dias pelo Presidente Lula, seria uma boa ideia. O mandatário da Presidência da República vinha defendendo que apenas tipos e cortes de carnes acessíveis à população de baixa deveriam ter alíquota zero, o que não deixaria de pressionar para cima a alíquota de referência, além representar uma elevação ainda maior da complexidade do sistema.

Portanto, a inclusão de sal e carnes na cesta básica não seria mesmo uma boa medida. Além de aumentar a complexidade do sistema, criaria um benefício tendente a se transformar em um aumento de tributos para todos, inclusive para a própria população de baixa renda que se pretende proteger. Que na sequência do processo legislativo, o bom senso e a boa técnica de tributação continuem prevalecendo.

Alan Martins é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo. Diretor de Gestão de Conhecimento da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo) e membro da Comissão Técnica da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)

Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA

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Artigo orginalmente publicado no jornal Correio Braziliense. Clique aqui para acessar!

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