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Revista Congresso em Foco publica artigo da Febrafite

postado em 26/08/2016 16:35 / atualizado em 26/08/2016 16:44

João Pedro Casarotto, especialista em tributos e contas públicas, é auditor-fiscal aposentado do governo do Rio Grande do Sul e membro da Febrafite.

A edição de agosto da Revista Congresso em Foco traz artigo auditor-fiscal do Rio Grande do Sul e membro da Febrafite, João Pedro Casarotto, sobre as sociedades gestoras de ativos estatais.

Vários governos estaduais e municipais têm buscado na emissão de debêntures por sociedades de economia mista um suposto atalho para enfrentar a grave crise financeira que enfrentam.

Apresentadas como luz no fim do túnel, essas peculiares empresas são investidas de amplos poderes, como a possibilidade de gerir ativos estatais, contratar obras e serviços e substituir órgãos da administração direta e indireta. Para o autor do artigo, trata-se de uma falsa solução.

Na opinião dele, além de serem nulas de pleno direito por contrariem a Constituição de modo flagrante, essas estatais assumem indevidamente funções próprias do Estado e impõem custos tão elevados que inevitavelmente aprofundarão os problemas fiscais dos entes federados

 

A falsa solução das sociedades gestoras de ativos estatais

JOÃO PEDRO CASAROTTO*

Apesar da vedação prevista no artigo 11 da Lei Complementar 148/2014, estados e municípios estão se valendo de pretensas sociedades de economia mista para a emissão de debêntures, o que resultará em grande aumento da dívida pública desses entes federados.

O artigo 170 da Constituição Federal determina que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa. Já o artigo 173 estabelece que, ressalvados os casos previstos constitucionalmente, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Sempre que o ente federado pretender exercer alguma atividade econômica, precisará comprovar a existência de uma dessas duas exigências.

No primeiro caso, o imperativo de segurança nacional pressupõe a existência de um motivo impostergável, indeclinável e inarredável. No segundo, o Estado poderá exercer a atividade econômica para atender a uma razão imprescindível.

Um relevante interesse coletivo não pode ser confundido com o interesse de um eventual governante nem de uma evanescente base parlamentar. Isto é, de um grupo eventualmente majoritário de parlamentares reunidos para proporcionar a dita “governabilidade”. Aliás, esse mecanismo gera um astucioso dualismo maniqueísta nas casas legislativas – assim divididas em base aliada e oposição – para falaciosamente criar apenas duas bandas diametralmente opostas, uma (a do bem) defendendo a governabilidade e o éden administrativo e a outra (a do mal) agindo em favor da ingovernabilidade e do manicômio administrativo.

Mesmo que consideremos o interesse coletivo algo subjetivo, pois depende da ideologia de cada um, cabe uma pergunta: como pode haver interesse coletivo na emissão de títulos da dívida pública proibida por lei federal?

As sociedades de economia mista devem ter bem definidas: sua função social; as formas de fiscalização do Estado e da sociedade; a submissão aos princípios da administração pública para licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações; a submissão às normas do Direito público.

Da mesma forma, devem ter bem claras: a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; a submissão às normas do Direito privado. O fato de essas sociedades estarem sujeitas ao Direito público e privado, não significa que elas estejam em um limbo jurídico que lhes dá permissão para atuar segundo o entendimento dos seus circunstanciais agentes políticos instituidores e administradores.

Submetidas às leis que regulam as sociedades anônimas, essas empresas não se sujeitam integralmente à Lei de Acesso à Informação, sob a alegação de atuarem em área concorrencial – como é o caso da emissão de debêntures – e de ter a obrigação legal de proteger os interesses dos acionistas minoritários. Além disso, podem celebrar contrato transferindo, até por várias décadas, a gestão da sociedade para eventual acionista minoritário estratégico, com a justificativa de que o ente federado não possui a experiência necessária para gerir a empresa.

Por outro lado, esse tipo de sociedade sempre possibilita a ocorrência de disputas. Um exemplo é aquela em que o acionista minoritário entende lhe ser devida compensação por lucros que deixaram de ocorrer em função de eventual política adotada pela empresa, alegando que tal política não  visou ao interesse público, mas tão somente o interesse político-partidário ou o interesse pessoal do circunstancial governante. Da mesma forma, qualquer ato praticado pela sociedade de economia mista que venha a ser considerado abuso de poder do acionista controlador pode levar o ente federado a ser responsabilizado, o que, mais cedo ou mais tarde, recairá sobre todos os contribuintes.

No caso da sociedade de economia mista criada em Porto Alegre (RS), denominada Empresa de Gestão de Ativos do Município de Porto Alegre S/A (Investe POA), a lei pode facilmente caracterizar, à luz da Lei Orgânica do Município, crime de responsabilidade, o que oferece motivos suficientes para o impedimento do prefeito, do vice-prefeito e de todos os vereadores que votaram favoravelmente à constituição da empresa. Afinal, essa sociedade, por meio de um mandato plenipotenciário conferido aos três membros do conselho de administração, entre outras atividades, pode: assumir funções e responsabilidades próprias da administração direta e indireta; explorar todos os bens imóveis e móveis do município; prestar garantias, reais e fidejussórias; apoiar operações comerciais; acessar o fluxo de recursos do Fundo de Participação dos Município; emitir títulos; e atuar nas áreas de diversas secretarias municipais.

Na criação, foi citada como exemplo a congênere de Belo Horizonte, que vendeu títulos a restritos investidores que recebem correção monetária mais juros de 11% ao ano – fórmula que em 2015 resultou em mais de 23% de remuneração, dobrando o capital em pouco mais de três anos. Além de alta remuneração, esse tipo de operação impõe diversas despesas, como o pagamento de impostos federais e a contratação de empresa de rating, de bancos e de distribuidoras de  valores, que cobram as mais variadas taxas, comissões, assessorias e prêmios. Após todos esses custos mais os de funcionamento da empresa, a bagatela que resta dos títulos vendidos é consumida em pouco tempo.

Certamente, ao editarem essa lei, as autoridades municipais foram – e continuam sendo – induzidas ao erro pela visão mercantilista que contamina importantes setores da administração estatal brasileira e por péssimos mascates financeiros que vendem ilusórias felicidades.

Por ofenderem a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a cautela e o bom senso, todas essas empresas precisam ser declaradas nulas pelo Poder Judiciário, a menos que as autoridades competentes revoguem os atos que as criaram.

*João Pedro Casarotto, especialista em tributos e contas públicas, é auditor-fiscal aposentado do governo do Rio Grande do Sul e membro da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).

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