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Reforma tributária, por onde começar

Por Ascom Febrafite

postado em 26/09/2016 15:14 / atualizado em 27/09/2016 20:44

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Paulo de Barros, Isaias Coelho e Luiz Bins analisaram pontos importantes sobre reforma tributária.

O cenário marcado pela crise financeira e fiscal, aliado a mudanças consideráveis no mundo político, traz à tona a necessidade de propor diálogos com representantes do governo, do Congresso Nacional e da sociedade em geral, sobre possíveis e necessárias mudanças no Sistema Tributário vigente.

A busca por um Sistema Tributário mais simples e justo – luta que passa pela resolução da famigerada guerra fiscal, entre outras distorções permitidas pelo atual modelo –  é uma das principais atuações da Febrafite desde 1999, quando apresentou sua proposta de reforma no Congresso Nacional.

Para o presidente da Febrafite, Roberto Kupski, um dos autores da proposta, aprovar uma mudança estrutural não é uma tarefa simples. Ao contrário, exige prudência, técnica e vontade política. “O Sistema Tributário impacta diretamente as finanças nacionais, o tamanho do Estado, com reflexos sobre as políticas públicas e a vida do cidadão”, analisa.

A reforma que queremos

A proposta da Febrafite defende, sumariamente, a especialização das bases tributárias entre as esferas de governo, de forma que a União concentre a competência dos tributos incidentes sobre a renda, regulatórios (importação e exportação) e operações financeiras; os Estados e Distrito Federal, em relação aos impostos instituídos sobre o consumo de bens e serviços e os Municípios, os cobrados sobre o patrimônio.

Para a entidade, é imprescindível a preservação do Pacto Federativo. Nesse sentido, chama a atenção para a necessidade de rever o Simples Nacional e a Lei Kandir, tanto na sua concepção de isentar as exportações de produtos primários e semielaborados, tanto quanto os critérios de compensação aos estados exportadores.

“Nos últimos anos, as receitas das Unidades Federativas foram prejudicadas em decorrência da Lei Kandir, que retirou bilhões de ICMS sem o devido ressarcimento e, mais recente, o Simples Nacional que inclui cada vez mais parcelas do maior tributo estadual em sua base, retirando a autonomia dos Estados”, analisa o presidente.

A proposta da Federação visa estimular o mercado interno mediante a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, simplificando a tributação e as obrigações acessórias – procedimentos de prestações de informações ao Fisco, com a consequente redução dos custos administrativos para contribuintes e para a Administração Tributária e aumento da formalidade das atividades produtivas.

Com igual importância, a proposta destaca a necessidade de rever a política tributária sobre lucros e dividendos, cuja isenção resulta em uma sangria para as finanças públicas. “Somente o Brasil e a Estônia não tributam lucros e dividendos. Esta não seria uma alternativa ao ajuste fiscal? ”, questiona Kupski.

Para a Febrafite, é essencial o fortalecimento e a valorização do Fisco, o que se consolida por meio da aprovação da Lei Orgânica da Administração Tributária, com autonomia funcional, administrativa e financeira. Esta é uma pré-condição para assegurar a integridade da receita pública, que resultará em aumento da arrecadação sem novos impostos, o combate à sonegação, hoje estimada em mais de R$ 500 bilhões anuais, colocando o Fisco ao lado da Sociedade, imune as ingerências do poder político e econômico, sendo tratado como uma Carreira Típica e essencial ao Estado.

A busca do modelo tributário

Para que seja viável, uma reforma tributária deve destacar alguns pontos emergenciais importantes do modelo vigente. Para falar sobre o tema, a Revista Febrafite,  entrevistou três especialistas com diferentes pontos de vista, que responderam às mesmas perguntas sobre temas fundamentais na busca de um modelo tributário mais justo e eficaz.

Os especialistas

Paulo de Barros Carvalho é um dos pensadores do Direito Tributário mais citados em petições e decisões na Justiça. O jurista é professor emérito e titular da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade de Direito da PUC/SP; Membro Titular da Academia Brasileira de Filosofia; Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e doutor honoris causa da Universidade Nacional Mayor de San Marcos (Peru).

Isaias Coelho é diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Doutor em economia. Coordenador e professor no programa GVlaw da Escola de Direito de São Paulo, pesquisador sênior do NEF e consultor internacional em tributação. Foi Secretário Adjunto da Secretaria da Receita Federal e chefe das divisões de administração e política tributária do Fundo Monetário Internacional.

Luiz Antônio Bins é o atual secretário Adjunto da secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul e presidente do Conselho de Administração do Banco do Estado do Rio Grande do Sul – BANRISUL.  Auditor-fiscal da Receita Estadual gaúcha, com formação em Administração de Empresas (UFRGS), Administração Pública (UFRGS) e em Ciências Jurídicas e Sociais (PUC-RS). É especialista em integração Econômica e Direito Internacional Fiscal (Universidade Técnica de Lisboa) e em Direito Tributário (UFRGS); Atuou como juiz do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Rio Grande do Sul (TARF), no período 2007-2010, e como presidente Fundação Escola Superior de Direito Tributário – FESDT (gestão 2007-09). Foi defensor da Fazenda Pública Estadual-RS, atuando junto ao TARF (2013-14). Também foi presidente do Sindifisco-RS (Gestão 2010-13) e do Conselho de Administração da CIA de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul.  É coautor da proposta de Reforma Tributária da Febrafite.

 

O Brasil precisa de uma revisão estrutural no modelo de tributação? Se sim, por onde começar?

Isaias Coelho – O sistema tributário brasileiro foi bem concebido e as bases tributárias divididas de maneira simples entre as entidades federativas: a União tributando a renda e as importações, os Estados tributando as vendas e os Municípios tributando a propriedade de imóveis. Aos poucos fomos nos afastando desse paradigma e temos hoje um sistema muito complexo, injusto e ineficiente. Há muito que mudar. Onde os problemas são maiores é na tributação do consumo (PIS, Cofins, ICMS, ISS, IPI), portanto convém começar a reforma por aí.

Luiz Bins –  A necessidade de reformulação do sistema tributário nacional é notória. Isto tanto é verdade que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, um tema sempre esteve presente em todas as discussões sobre reformas institucionais: reforma tributária. A rigor, nunca se deixou de realizar reformas, alterações e adaptações no sistema tributário pátrio: não gerais, mas parciais; algumas mediante alterações constitucionais, mas, no mais das vezes, pela via infraconstitucional. Todavia, como é cediço, fazer reforma tributária não é tarefa fácil, haja vista os inúmeros interesses envolvidos, muitos dos quais conflitantes, até mesmo pela própria diversidade dos atores envolvidos: Estado, em seus mais diversos níveis; contribuintes, em sua diversificada gama de configurações; e a sociedade em geral. Neste ponto, poder-se-ia indagar: qual o modelo de tributação ideal?  Para nós, o importante não é a definição do modelo em si mesmo, mas, sim, os princípios norteadores nos quais se consubstancia e que, em nosso sentir, devem se assentar na neutralidade impositiva; na competitividade dos produtos nacionais em face dos importados; na realização de um mercado interno caracterizado pela livre circulação de mercadorias, de serviços, de capitais e de pessoas; na redução das obrigações administrativas para as empresas e para a administração pública; na manutenção e no fortalecimento do federalismo fiscal brasileiro, com a melhoria da distribuição das receitas líquidas disponíveis aos Entes Políticos Subnacionais; no não-aumento do risco da evasão fiscal; no fortalecimento e na valorização das administrações tributárias; e na promoção da justiça e da equidade fiscais. Muitas são as propostas de reforma tributária trazidas à discussão nos últimos anos. E das mais variadas matizes. Uma, em especial, pensamos merecer destaque: a proposta apresentada pela Febrafite, que, a par de atender aos preceitos acima destacados, se assenta na distribuição de competências impositivas entre as esferas de Governo a partir da especialidade das bases tributárias, concentrando os tributos sobre a renda e os regulatórios para a União e os incidentes sobre a propriedade para os municípios e privilegiando aos Estados os  exigíveis sobre o consumo.

Paulo de Barros Carvalho – O sistema tributário brasileiro é, realmente, muito complexo e está reivindicando um esforço de racionalização. Gostaria de acrescentar, apenas, que essa é uma reclamação mundial. Os espanhóis reclamam da quantidade de tributos, os argentinos, os italianos e os franceses também pedem pela simplificação legislativa. Enfim, todos desejam um menor volume de exigências tributárias.

Além disso, tem-se verificado frequente aumento do número de obrigações acessórias, que costumo denominar deveres instrumentais. Esse crescimento quantitativo deve-se ao fato de que o fisco, com sua estrutura limitada, precisa encontrar mecanismos para efetuar o controle das atividades realizadas pelo imenso rol de contribuintes. E o modo operativo de fazê-lo consiste em atribuir aos particulares deveres de colaboração, informando, em seus pormenores, os atos por eles praticados.

O grande entrave para uma reforma tributária, porém, centra-se na divergência de interesses dos envolvidos. Se, de um lado, o contribuinte deseja a redução da carga de tributos, o Fisco, por seu turno, entende necessário manter ou aumentar o quantum de encargos cobrados. Ainda, entre Municípios, Estados e União também se vê disputas pelos focos arrecadatórios.

Tudo há de começar com um esforço conjunto das pessoas políticas de direito constitucional interno, em regime de cooperação, e não de disputa, para que as disposições normativas sejam observadas, respeitando-se os direitos dos contribuintes e a rígida repartição das competências tributárias, equalizando-se, também, as diversidades regionais.

 

Quando as empresas falam sobre impostos, a queixa é sempre a mesma: alta carga tributária e sistema complexo.  Como chegar a uma proposta que atenda ao Estado e ao contribuinte? Isto é possível?

IC – É verdade que a carga tributária é elevada e que o sistema é complexo. Mas não é preciso haver antinomia entre Estado e contribuintes. Quem paga os impostos são as pessoas, os cidadãos, e o Estado existe para servir a esses cidadãos e fazer por eles e para eles o que não é prático fazer individualmente. O tamanho da carga tributária reflete a demanda por gasto público: para gastar mais o governo precisa tributar mais. O processo político define o tamanho da carga tributária.

Mas existe também a carga tributária extra, filha da complexidade: o custo de cumprir com obrigações acessórias custosas, o risco de o contribuinte ser cobrado anos depois por dívidas tributárias que não supunha existir, etc. Este custo da complexidade onera o contribuinte mas não constitui receita do Estado. Pura perda social. Felizmente ele pode ser enormemente reduzido com melhor desenho dos tributos e maior eficiência das administrações tributárias.

LB – Com certeza. Mas, importante, além de possível, isto é necessário. Extremante necessário! Só que temos de mudar o foco da primeira e principal discussão, que não pode ser a reforma tributária. Explico.

O principal problema não é o tamanho da carga tributária, mas, sim, os serviços entregues à sociedade como contra-prestação dos tributos recolhidos pela própria sociedade para o Estado.

Estamos numa quadra da história do Brasil em que a sociedade, na sua integralidade e representada por toda a diversidade de seus segmentos sociais, deveria discutir previamente que Estado quer.  Neste sentido, qual o tamanho do Estado brasileiro que precisamos e queremos? Qual o campo de atuação do Estado? Que serviços o Estado deve garantir aos seus cidadãos? Qual a responsabilidade de cada esfera de Governo (União, Estados e Municípios)?

Ora, é a partir da configuração de Estado definido pela sociedade é que se verifica a necessidade de recursos públicos para cumprimento das competências estatais e, em consequência, se define a carga tributária imposta à própria sociedade.

Vale dizer: antes de discutirmos reforma tributária, importa que debatamos o Estado brasileiro, sua concepção, atribuições e competências, com a consequente discussão de uma verdadeira reforma fiscal.

 

PB- A hipercomplexidade das relações é própria da época em que vivemos. O que caracteriza a sociedade pós-moderna é exatamente essa hipercomplexidade. A linguagem, por isso, tem-se tornado cada vez mais abundante, não só na esfera tributária, mas em todos os âmbitos da vida social. Os procedimentos necessários a práticas de quaisquer atos jurídicos, inclusive tributários, são mais minuciosos em decorrência desse incremento de dificuldades.  Parece-me incorreto dizer, simplesmente, que esse é um problema apenas do nosso sistema, pois a complexidade é inerente à pós-modernidade. Tudo isso pede ingente esforço de racionalização. Desse modo, penso que já seria um grande avanço se fossem tomadas providências para reduzir a insegurança jurídica no campo tributário. As mudanças frequentes nas leis que regem a questão dos tributos dificultam a própria compreensão e, naturalmente, seu cumprimento pelos contribuintes. A constante alteração legislativa traz instabilidade ao relacionamento entre Fisco e os particulares, além de proporcionar-lhes incerteza e insegurança na prática de suas atividades. Os próprios agentes fiscais, muitas vezes, veem-se perplexos diante de situação em que a legislação é confusa, suscitando dúvidas quanto à sua aplicabilidade.  Se, de um lado, há grande dificuldade operacional para reduzir a carga tributária, por outro, já seria um avanço diminuir esse sentimento de insegurança jurídica, mediante demanda a adoção de critérios para a interpretação e a aplicação das normas tributárias que afastem decisões orientadas por diretrizes meramente econômicas e, muitas vezes, casuístas. A conduta prescrita há de ser previamente bem compreendida para que, desse modo, o contribuinte possa pautar suas práticas em estipulações pré-existentes, com pleno conhecimento das consequências de seus atos.

 

O nosso sistema tributário está concentrado em tributos regressivos e indiretos, essencialmente sobre o consumo, onerando mais os trabalhadores. Há perspectivas para mudar esse cenário?

IC- Toda economia importante e diversificada tem sua tributação baseada em três colunas: a renda, o consumo e a propriedade. A tributação do consumo tem crescido muito no mundo todo desde que se criou o Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) no século passado para fomentar a competitividade que era entravada pelos antigos impostos cumulativos sobre vendas. Até na Europa ocidental, onde o imposto de renda tem sido historicamente mais importante que os impostos ao consumo, está evoluindo na direção de maior participação da tributação de vendas e serviços.

Devemos resistir à tentação de ver impostos ao consumo como tributos ao trabalhador e impostos de renda como tributo ao “não-trabalhador”. Somos todos trabalhadores e consumidores e devemos todos pagar os dois tipos de imposto segundo a capacidade contributiva de cada um. O que ocorre no Brasil é que a base dos tributos está devastada por privilégios, regimes preferenciais, “incentivos” e isenções não justificados. É preciso restaurar a integridade das bases, o que permitirá reduzir alíquotas e aumentar a isonomia.

LB – A conformação do sistema tributário nacional, suas bases de incidência e a decorrente arrecadação efetivada estão intimamente relacionadas com o grau de desenvolvimento do Estado brasileiro. Assim o é, em geral, com todos os sistemas alienígenas que, ao longo da história, foram e vão alterando suas conformações mediante a redução da regressividade e a sua substituição gradativa pela progressividade na imposição tributária, na medida do respectivo desenvolvimento econômico e social.

Assim, afora mudanças normativas pontuais que possam alterar tal característica nociva de nosso sistema tributário, é imperativo que o país avance em termos de crescimento e desenvolvimento econômico e social.

PB – Sim, com o empenho de racionalização a que aludi na resposta à primeira pergunta. Mesmo assim, os efeitos serão a médio e longo prazo.

 

Frequentemente, o modelo de tributação do ICMS é posto como o grande vilão. É possível sua  harmonização preservando a competência dos Estados sobre o seu principal tributo?  Os Estados estão trabalhando para isso?

IC – O ICMS está tão desfigurado que já é difícil considerá-lo um IVA. Como o ICMS não abrange os serviços, sua base cresce pouco e seu baixo desempenho coloca em risco as finanças dos Estados. É urgente reformar o ICMS transformando-o num imposto moderno sobre o consumo, de alta elasticidade-renda. O equilíbrio federativo é bem servido com a manutenção do imposto na competência dos Estados. O Centro de Cidadania Fiscal, de que faço parte, propõe a integração de ICMS e ISS num Imposto Geral sobre o Consumo, de estrutura simples, uniforme, isonômica e eficiente sem perda de arrecadação. Os Estados estão ansiosos para dispor de tributo de melhor qualidade e alguns já estão ativamente buscando soluções.

LB –  Realmente, toda e qualquer discussão sobre o sistema tributário nacional, sua complexidade e suas vicissitudes não só se inicia, mas, invariável e principalmente, se assenta no imposto estadual de consumo, qual seja o ICMS, o mais produtivo tributo nacional.

O ICMS, dada a sua configuração de imposto de abrangência nacional, mas de competência impositiva subnacional, é, irrefutavelmente, o mais complexo dos impostos pátrios e aquele que, talvez, apresente as maiores mazelas, em especial decorrentes da nefasta “guerra fiscal”.

Por isto, imprescindível uma efetiva e relevante harmonização tributária, o que se encontra previsto em inúmeros elementos de harmonização, desde a própria Constituição Federal – o ICMS é o mais rígido dos tributos brasileiros, com inúmeros preceitos constitucionais (art. 155,  § 2º da CF/88) –, as Leis Complementares (LCs nºs 24/75, 87/96, entre outras), Resoluções do Senado Federal (definindo as alíquotas interestaduais) e os inúmeros Convênios e/ou Protocolos celebrados no âmbito do CONFAZ.

Todavia, é notória a insuficiência destes elementos de harmonização, em especial em face da aludida “guerra fiscal”, levada a efeito pela quase integralidade dos Estados brasileiros que a utilizam como uma forma de impulsionar o desenvolvimento econômico e social de seus respectivos povos.

Mas isto, nem de longe, pode servir de fundamento para a alteração da competência impositiva do imposto estadual de consumo, transferindo-a dos Estados-membros para a União Federal.

Primeiro, porque é possível garantir a harmonização impositiva mediante a gradativa migração do ICMS para a conformação de um efetivo imposto de consumo, com a receita sendo destinada aos Estados de localização dos consumidores finais (princípio do destino), bem como pela implementação de normas punitivas aos Estados que descumpram os preceitos de harmonização.

Segundo, porque tal medida seria um golpe na Federação brasileira, na medida em que concentraria, ainda mais, as competências impositivas e as receitas tributárias nas mãos da União Federal, com todas as maléficas consequências daí decorrentes.

Cabe aos Estados e ao Distrito Federal, por intermédio de seus mais diversos fóruns, em especial no seio do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, labutar para a preservação de sua competência impositiva em domínio do principal tributo brasileiro, o que requer, parece inelutável, a intensificação de esforços para a sua  maior harmonização e para a sua simplificação.

PB – Não vejo o ICMS como vilão do nosso modelo tributário. Tendo em vista a feição do sistema federativo, o que exige autonomia política, administrativa e financeira das pessoas de direito constitucional interno, esses objetivos tornam-se de difícil realização. Simultaneamente, são necessárias providências que confirmem o caráter eminentemente nacional desse imposto. Surgem, por isso, conflitos entre as interpretações dos entes tributantes e dos contribuintes, quanto aos fatos tributáveis e direito ao creditamento (não-cumulatividade), e entre as próprias entidades estatais, configurando aquilo que se costuma denominar de “guerra fiscal”. Tais problemas são insusceptíveis de supressão imediata, mediante singelas modificações legislativas isoladas, demandando esforço conjunto de todas as unidades federativas.

Nesse sentido, o Presidente do Senado Federal instaurou, no ano de 2012, uma Comissão de Especialistas com o objetivo de analisar questões federativas. Participei da referida comissão, oportunidade em que se efetuaram interessantes propostas para sobre o tema.

 

Somente o Brasil e a Estônia não tributam lucros e dividendos. Esta não seria uma alternativa ao ajuste fiscal, assim como a oficialização dos jogos, que permitirá a tributação sobre esse segmento no nosso país?

IC – A maioria dos países tributa os lucros quando são apurados (imposto de renda da pessoa jurídica) e quando são distribuídos (tributação exclusiva na fonte, ou na declaração anual da pessoa física, ou na fonte como antecipação do imposto devido na declaração). O Brasil optou por colocar um imposto alto no momento da apuração do lucro (34%, quando a média mundial está abaixo de 25%) e nada cobrar na distribuição. Tributa “na cabeça”. Faz sentido, pois antecipa arrecadação e não introduz distorções na decisão de distribuir ou capitalizar os lucros. Mas a não tributação dos dividendos gera uma percepção de injustiça, e percepções são importantes. Por esta razão sou favorável à tributação dos dividendos, como fazíamos no passado, e concomitante redução da alíquota do IRPJ para níveis competitivos. Exceto em alguns países muito pequenos, a receita tributária produzida por cassinos e outras casas de jogo é pouco importante. A legalização ou proibição de jogos não faz parte da agenda de reforma tributária.

LB – É provável que a tributação, pelo IRPF dos lucros e dividendos distribuídos não tenham forte impacto na arrecadação do imposto federal, haja vista a decorrente e provável necessidade de ajustes nesta imposição tributária em relação à pessoa jurídica, em especial para que se evite os indesejáveis riscos à atividade econômica, ao investimento produtivo e à atração de capitais internacionais.

Entretanto, tal medida seria bastante benéfica em termos de percepção de justiça e equidade tributária, podendo estimular o cumprimento voluntário de obrigação tributária por parte da sociedade.

PB – Creio que tributar a distribuição de lucros e dividendos das pessoas jurídicas a seus sócios poderia ocasionar impactos negativos na economia do país, visto que implicaria desestímulo às atividades empresariais, atualmente já tão afetadas pelos efeitos da crise financeira. É preciso lembrar que o crescimento econômico implica geração de divisas, empregos, diminuição de riscos, dentre outros fatores benéficos ao desenvolvimento do Brasil.

Muito embora à primeira vista essa forma de tributação aparente levar ao aumento da arrecadação, o incremento arrecadatório não representará monta significativa, que justifique colocar esse obstáculo às operações societárias. Com isso, em vez de aumento de arrecadação, é provável que ocorra a redução desta, pois a medida pode implicar menor número de negócios jurídicos, com obtenção de lucros abaixo do esperado e, por conseguinte, com diminuído valor dos fatos tributáveis. Do mesmo modo, a oficialização dos jogos não é algo que tenha efeitos tributários significativos.

 

Entrevista publicada na REVISTA FEBRAFITE, edição 31, agosto de 2016.

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