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Reflexos da tributação federal nos benefícios fiscais de ICMS

Por Augusto Mansur e Daniel Gomes, JOTA

postado em 10/09/2018 15:29 / atualizado em 10/09/2018 15:29

No final do ano passado, dois atos normativos serviram de alento para as empresas que estão no meio do fogo cruzado da Guerra Fiscal entre os Estados. Foram publicados o Convênio ICMS 190/2017, que deu efetividade aos termos da Lei Complementar 160/2017, que tem como principal objetivo a convalidação e reinstituição dos benefícios fiscais concedidos unilateralmente pelos Estados da federação, sem a devida aprovação no CONFAZ.

É importante lembrar que a grande maioria dos incentivos fiscais de ICMS desobedeciam a regra prevista na alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal, segundo qual a instituição de benesses tributárias deve ser precedida de aprovação por convênio[1].

Os Estados estão finalizando os procedimentos de convalidação e reinstituição previstos nas normas internas do CONFAZ, que prevê, por exemplo, a necessidade de publicação da lista com os benefícios concedidos em desacordo com a constituição e o depósito na Secretaria Executiva do Confaz[2].

A despeito da convalidação dos incentivos fiscais e os reflexos na tributação estadual do ICMS, a Lei Complementar 160/2017 implementou importante alteração em seu art. 9°, ao alterar a Lei 12.973/14, incluindo o §4° no art. 30 desta Lei, com reflexo na tributação federal.

Segundo a inovação legislativa, “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo” (g.n).

O auxílio do Poder Público à determinada pessoa de direito privado, seja por transferência direta de recursos, seja por meio da concessão de incentivos fiscais são classificados como subvenções estatais.

As subvenções estatais são subdivididas em subvenções para custeio, destinadas a compensar despesas operacionais e manutenção, e, subvenções para investimentos, que são incentivos do governo a setores econômicos ou regiões, cujo desenvolvimento haja interesse especial.

A classificação de determinado incentivo fiscal como subvenção para custeio ou para investimento revela-se determinante para apuração de diversos tributos federais, uma vez que o enquadramento do benefício pode alterar a base de cálculo dos mesmos.

É nesse contexto que a alteração da promovida pela Lei Complementar 160/2017 acabou com uma antiga discussão acerca da natureza da subvenção estatal dos benefícios fiscais de ICMS – se para custou ou para investimento.

Isso pois, a identificação e classificação de determinado programa de incentivo fiscal dos estados nos conceitos de subvenção estatal era uma tarefa tortuosa, posto que a Receita Federal possuía entendimentos diversos e conflitantes sobre o tema.

O fisco exigia, por exemplo, que os recursos recebidos pelo poder público fossem vinculados a implementação do empreendimento subvencionado, ou ainda, que existisse uma real contrapartida do contribuinte em relação os recursos recebidos pelos estados, além do tratamento contábil específico no caso do imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido[3].

Dessa forma, com a mudança, basta que o benefício fiscal esteja em conformidade com a Constituição Federal para que o benefício seja considerado uma subvenção para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições.

Frisa-se que essa conformidade depende de que o incentivo esteja aprovado pelo CONFAZ, ou ainda, convalidado e reinstituído nos temos do Convenio 190/2017.

Pois bem, em relação a tributação federal os incentivos e benefícios fiscais classificados como subvenção para investimento, em regra, tem tratamento tributário mais benefício para fins e incidência do IRPJ, CSLL, PIS e da COFINS.

As subvenções para investimento não são computadas na determinação do lucro real, base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que seja registrada em reserva de lucros, dentre outros tratamentos contábeis.

Ainda, a legislação do PIS e da COFINS também não inclui essas subvenções para investimento na base de cálculo dessas contribuições – receita bruta ou faturamento. No caso do regime não cumulativo existe expressa previsão legal que exclui esses valores da receita bruta.

A base de cálculo do regime cumulativo dessas contribuições é o faturamento vinculado a atividade da empresa[4], motivo pelo qual não há incidência sobre as subvenções, pois, em tese, nenhuma empresa tem como objeto social aproveitar-se dos benefícios concedidos pelos Estados.

No mais, a norma que conceituou legalmente as subvenções para investimentos é interpretativa, uma vez que o referido dispositivo simplesmente considerou que todo e qualquer benefício fiscal de ICMS concedido pelos Estados, nos termos da constituição federal, para todos os fins (inclusive tributário), subvenções para investimento.

Portanto, o impacto do art. 9° da LC 160/17 é retroativo diante do caráter interpretativo. Nessa senda, uma norma interpretativa, nos termos do inciso I do art. 106 do CTN, “em qualquer caso (…) aplica-se a ato ou fato pretérito”[5].

Isso permite aos contribuintes que incluíram indevidamente esses incentivos fiscais nas bases de cálculos dos tributos federais mencionados, possam recuperar esses valores, respeitado o prazo quinquenal.

Dessa forma, os efeitos da Lei Complementar 160/2017 foi além de apenas convalidar e reinstituir os incentivos fiscais, trazendo um novo regime jurídico no tratamento dessas subvenções estatais, sobretudo quanto a incidência dos tributos federas, colocando fim a debates que se arrastavam pelos nossos tribunais administrativos e judiciais.

 

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[1] A Constituição Federal define que a Lei Complementar definirá a forma que os Estados e o Distrito Federal concedam seus benefícios fiscais. Por sua vez, a LC 24/1975 regula a questão, estabelecendo a forma de convênio para que a deliberação da matéria. A despeito do tema: A lei complementar a que se refere o citado art. 155, parágrafo 2º, XII, ‘g’, já existia no ordenamento jurídico nacional à época da promulgação da Constituição de 1988, razão pela qual a Lei complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, foi recepcionada na nova ordem constitucional, para reger a forma pela qual os Estados e o distrito Federal devem conceder e revogar benefícios fiscais relativos ao ICMS. Há três grandes temas relativos à Lei Complementar nº 24/1975 que merecem uma análise mais detida: (i) o âmbito de sua aplicação, isto é, que espécie de benefícios se submete à sua sistemática; (ii) a forma prevista para a concessão desses benefícios; e (iii) as sanções previstas no caso de descumprimento das regras estabelecidas.” (MIGUEL, Luciano Garcia. A Lei complementar nº 24/1975 e os benefícios fiscais e financeiro-fiscais relacionados ao ICMS. RDDT nº 216/96, set/2013)

[2] O CONFAZ emite Certificados de Registro/Depósito à medida que os estados protocolam a planilha com a lista de atos normativos dos benefícios fiscais. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/certificado-registro-deposito-cv-icms-190-17-1

[3] Acordão 101-94.676 de 15.09.2004 e Dec. 7ª RF 87/99, 102/99 e 307/99 e Sol. 10ª RF 218/01

[4] RE nº 371.258-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJ 27.10.2006; RE nº 318.160, DJ 17.11.2005, Rel. Min. Cezar Peluso; RE nº 367.482, DJ 28.11.2005, Rel. Min. Cezar Peluso; dentre outros

[5] Sobre as leis interpretativas, Leandro Paulsen: A situação das leis interpretativas é a seguinte: a) constituem leis novas e, portanto, como tal devem ser consideradas; b) se meramente esclarecerem o sentido de outra anterior, não estarão inovando na ordem jurídica, de maneira que nenhuma influência maior terão, senão de esclarecimento para os agentes públicos e contribuintes, se no seu texto constar aplicação retroativa à data da lei interpretada; c) esta retroatividade será meramente aparente, vigente que estava a lei interpretada; d) somente subsistirá o preceito supostamente retroativo se a interpretação que der à lei anterior coincidir com a interpretação que lhe der o Judiciário; e) do contrário, havendo qualquer agravação na situação do contribuinte, será considerada ofensiva ao princípio da irretroatividade das leis, merecendo atenção, ainda, o princípio da anterioridade comum ou especial no que diz respeito à criação e majoração de tributos. (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – CONSTITUIÇÃO e CÓDIGO TRIBUTÁRIO – à luz da doutrina e da jurisprudência. 16ª ed. 2014.


Leia íntegra do artigo publicado no portal JOTA, no dia 09/9.

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