Febrafite

Notícias

Opinião | Que imposto incide sobre a corrupção?

Por Luis Martins da Silva / Revista Febrafite, edição abril 2017

postado em 23/06/2017 12:56 / atualizado em 23/06/2017 13:07

LuisMartinsSilvaEm matéria de reformas, JK quis fazer 50 anos em cinco e Temer quer 40, em dois. Jango foi deposto sob um pretexto mais da CIA do que dele, uma promitente república sindicalista. A própria China, onde ele se encontrava quando vice, foi mais modesta no contraponto revolucionário “um passo para trás e dois para frente”.

Os militares brasileiros pós-64 acreditavam que a ordem e o progresso viriam do binômio segurança e desenvolvimento, traduzido o primeiro pilar na não-ideologia do anticomunismo e, para tanto, 25 anos de uma ditadura com fixação no “perigo vermelho” e paranoias como a de ver numa equipe de filmagem guerrilheiros barbudos. Era tão somente um documentário sobre as ligas camponesas. Tempos depois, a montagem resultou no filme Cabra marcado para morrer.

O golpe “Revolução de 64” acenou com milagres: o econômico e o ético. O primeiro chegou a fulgurar como incríveis percentuais do PIB que ofuscavam, porém, simultâneo endividamento externo. Restabelecer a moralidade sempre foi um dos milenarismos da política brasileira, haja vista Jânio, Lott, Tancredo e Collor, o primeiro, prometendo “varrer” com sua emblemática vassoura (broche de lapela) a corrupção. O marechal concorrente preferiu a espada como arquétipo mais severo para um tipo de pecado já retratado no texto seiscentista A arte de furtar (atribuído a Padre Vieira).

Tancredo levou para o túmulo a virada que pretendia com a sua “Nova República”. E Collor foi mais longe na miragem de acabar com “sucatas” e “marajás”. Na distância entre palavra e gesto, houve foi uma semeadura de pragas geneticamente modificadas, cruzamento de políticos com empreiteiras, cultivadas por atravessadores dotados de um cinismo de fazer corar PC Farias.

Estamos, outra vez, ao rés do chão, desta feita, com o sacrifício de uma presidente acusada de “pedaladas fiscais”, manobra que já era pretérita e atávica, mas, tão somente a pontinha de um iceberg em trânsito e que se revelaria em dimensões ao mesmo tempo colossais e “normais”. Ora, diria, um dos delatores: doação, caixa dois e propina formaram por três gerações a fórmula-padrão dos “bons negócios”. Qual, então, o sentido do repentino estranhamento do Judiciário e da Imprensa? Por acaso, o perspicaz jornalismo econômico brasileiro e seus loquazes analistas não se deram conta de bilionárias anomalias? Isso, sem esquecer a operação Panama Papers foi denunciada por um consórcio internacional de repórteres independentes.

À semelhança do narcotráfico, a corrupção não paga imposto. Mas, a pergunta, agora, é: nem na fonte, nem na jusante? Se o crime de caixa dois prescreve em quatro anos, como fica a anistia fiscal a tantos “rendimentos não tributáveis”? Estamos, é claro, diante de outro absurdo, ter-se de taxar a corrupção e, quem sabe, outra economia paralela, as drogas. E que tal exigir do Estado ressarcimentos, já que funcionários públicos faziam parte de conluios? Desgraçadamente, na escassez a mira recai é sobre os mais frágeis e leais contribuintes.

Afinal, como repisaram os procuradores nas oitivas, os bilhões superfaturados saíram dos cofres públicos, mantidos por cidadãos, de várias formas penalizados: a) por sustentar uma arrecadação aquém; b) por não dispor dos correspondentes benefícios não houvesse “propina”; c) por constatar como ágil é a roubalheira e lentas apuração, punição e recondução das fortunas ocultas; d) por deduzir que boa parte do quórum das ‘atuais’ reformas será composto de investigados.

Certa vez, Ulisses Guimarães citou Giordano Bruno: “Que ingenuidade, propor a mudança do poder aos donos do poder”. Neste momento, a máxima do filósofo italiano ficaria ainda mais requintada: ‘Que ingenuidade, contornar epidemias valendo-se de contaminados’.


Luiz Martins da Silva é  jornalista, cronista da Revista Febrafite e professor da Universidade de Brasília (UnB). Artigo publicado na Revista Febrafite, edição de abril de 2017.

Leia também:

Copyright © 2024. Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais - Todos os direitos reservados.