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Jota: Nova leva de tratados tributários internacionais aponta tendência pró-OCDE

Por Guilherme Mendes - Jota

postado em 11/07/2019 10:47 / atualizado em 11/07/2019 10:47

Uma série de acordos internacionais na área tributária, celebrados recentemente pelo Brasil com outras nações, mostra o esforço do país em acompanhar o entendimento tributário da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países que o Brasil planeja integrar. A avaliação é de advogados e pesquisadores do tema ouvidos pelo JOTA.

Entre as mudanças mais claras na postura do Fisco brasileiro estariam a introdução de artigos que permitem a tributação mais eficiente de dividendos, não apenas envolvendo o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), mas também da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Haveria também uma forte regulamentação na tributação de serviços técnicos e, como parte dos esforços da OCDE, uma preocupação no estabelecimento de regras anti-abuso, tais como cláusulas de limitação de benefícios (LOB, na sigla em inglês) e de propósito principal (PPT, na sigla em inglês).

“A OCDE e o G20 têm apresentado muitas propostas que interessam à generalidade dos países, incluindo o Brasil. A troca de informações, a prevenção à evasão fiscal, a resolução mais eficiente de disputas, por exemplo são medidas importantes independentemente de o país ser membro da organização”, apontou o professor do mestrado em tributação internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), Luis Flávio Neto.

O sócio da área tributária do escritório Rayes & Fagundes Advogados, Ricardo Maitto, afirma que há necessidade de ampliar entendimentos bilaterais que, por sua falta, ainda penalizam os contribuintes. “A rede de acordos de bitributação brasileira ainda é limitada, com pouco mais de 30 acordos e lacunas importantes como Estados Unidos e Reino Unido. Porém, nos últimos meses o Brasil tem promovidos avanços nesse tema”, pontuou.

Em exemplo recente lembrado pelo tributarista, os governos do Brasil e da Suécia assinaram, em março, um protocolo de atualização do tratado para evitar a bitributação entre os dois países. Celebrado entre o secretário da Receita Federal e o embaixador do Reino da Suécia em Brasília, o texto agora deve passar por aprovação do Congresso para ter efeito.

Em maio, novos passos foram dados. Um decreto promulgou acordo, firmado em 2012 entre Brasil, Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para promover o “Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos”; e o PDL 203/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, pode referendar tratado para eliminar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal com a República de Singapura.

O exemplo sueco

O texto original celebrado entre Brasil e Suécia, de 1975, não trata de termos essenciais em operações financeiras e tributárias atuais. Não há, por exemplo, nenhuma menção a bolsas de valores no documento original, que é o Decreto nº 77.053, promulgado em janeiro daquele ano.

Agora, nas alterações propostas entre os governos dos dois países em 2019, estão presentes muitas das previsões do MLI (sigla para Convenção Multilateral para a Aplicação das Medidas Relativas às Convenções Fiscais Destinadas a Prevenir a Erosão da Base Tributária e a Transferência de Lucros).

A proposta do MLI surgiu durante uma reunião do G20, em 2013. Idealizado pelo Projeto sobre a Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS) da OCDE, o MLI é adotado hoje em mais de 100 jurisdições, tendo entrado em vigor em julho de 2018.

O professor Luis Flávio Neto avalia que o Brasil tem se mostrado cauteloso ao adotar propostas como o MLI. “Temos adotado a postura de renegociar os nossos tratados em vigor, bem como incorporar aos tratados em negociação e nos vindouros algumas das cláusulas previstas nesse acordo multilateral”, ponderou.

Maitto também ressaltou esta peculiaridade nacional. “Como o Brasil historicamente se coloca na posição de importador de capital, isto é, como um receptor de investimentos, o país procura privilegiar a possibilidade de tributação da renda no país onde ela é originada ou produzida”, analisa o advogado, acrescentando que essa postura contrapõe-se à visão sustentada pelos países desenvolvidos, que privilegiam a tributação no país onde está localizado o beneficiário da renda.

Atualizações

De acordo com o texto mais recente, o protocolo entre Brasil e Suécia para evitar a bitributação poderá estabelecer que, quando uma pessoa for residente tanto do Brasil quanto da Suécia, “as autoridades competentes dos Estados Contratantes envidarão esforços para determinar, mediante acordo mútuo, o Estado Contratante do qual essa pessoa será considerada residente para fins da Convenção, tendo em conta sua sede de direção efetiva, o local onde for incorporada ou de outra forma constituída e quaisquer outros fatos relevantes”.

O protocolo para evitar bitributação prevê que, na ausência de tal acordo, a pessoa não terá direito a qualquer benefício ou isenção de imposto previsto no tratado, “salvo na medida em que, e na forma pela qual, poderá ser acordado pelas autoridades competentes nos Estados Contratantes”.

Há também previsão de alterações no parágrafo XXIII do artigo 8, para definir como se dará a eliminação da dupla tributação. Com a nova redação, não será mais aplicada uma metodologia conhecida como tax sparing, onde há a concessão de uma espécie de crédito ficto do imposto. No lugar, será implementado um método de dedução.

Assim, quando um residente do Brasil receber rendimentos tributáveis no país e que, por força da Convenção, possam ser tributáveis também na Suécia, o Brasil admitirá a dedução, no imposto a ser pago no país, do valor recolhido na Suécia. O país europeu também permitirá a dedução na via contrária.

O tributarista Michell Przepiorka também aponta outras mudanças que o novo texto pode trazer. “Quando houver conflitos relativos à residência e delimitação, há a possibilidade de resolução via procedimento amigável como forma de estimular a decisão voluntária da partes”, explicou o sócio do Takano Przepiorka Advogados.

Outra novidade apontada pelo advogado, que também é pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), é a introdução de duas regras anti-abuso agindo em conjunto: a primeira é uma cláusula de limitação de benefícios (na sigla em inglês, “LOB”), que determina o cumprimento de determinados requisitos ao aproveitamento dos benefícios do tratado. A outra é uma cláusula de Teste de Propósito Principal (no inglês, “PPT”).

Em cláusulas PPT há a previsão de limitar a aplicação dos benefícios do acordo bilateral, caso se entenda que o objetivo da operação feita pelas empresas é apenas usufruir dos benefícios. Estas mudanças estão presentes no artigo 11 do protocolo.

Bitributação de royalties, IRPJ e CSLL

Outra alteração relevante, apontadas no texto, trata das mudanças na tributação de royalties e uma nova diretriz para evitar a bitributação da CSLL, cuja incidência é reflexa ao IRPJ. As mudanças sobre os royalties estão presentes no artigo 7 dos tratados, enquanto definições sobre lucros de empresas estão no artigo 12.

No texto de 1975, ainda em vigor, os royalties são compreendidos como passíveis de tributação tanto no Estado Contratante quanto no outro Estado no acordo, mas isto não poderia exceder 25% do montante bruto dos royalties em caso de indústria e comércio – em outras hipóteses, o limite é de 15%. As regras continuam as mesmas, mas as alíquotas diminuem para 15% e 10%, respectivamente.

Przerpiorka, por sua vez, não enxerga na mudança de alíquotas uma diminuição das receitas captadas pelo governo. “As alíquotas que o Brasil adota nos artigos 10, 11 e 12, tratando de dividendos, juros e royalties, acabam sendo alíquotas menores. Há uma redução, sim, mas que continua dentro da nossa regra de tributação da fonte”, comentou.

O sócio do Zechin Pontes Lorenzoni Advocacia, Brunno Ribeiro Lorenzoni, entende que, mesmo com as alterações de alíquota, os índices estão divergentes do que preconiza a OCDE. Para Lorenzoni, não fica clara a aplicação dos tratados aos pagamentos de quaisquer espécies recebidos como remuneração pela prestação de assistência e serviços técnicos. “[A OCDE] qualifica a remuneração dos contratos de prestação de serviço em geral, sem a transferência de tecnologia, como lucro das empresas e não royalties”, argumentou Lorenzoni.

O especialista em direito tributário lembrou que, em ao menos dois momentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou a remuneração como lucro das empresas. Tratam-se dos Recursos Especiais (REsps) 1.161.467 e 1.272.897.

A aplicação do entendimento dos royalties valerá também para a CSLL, tributo que é reflexo ao recolhimento do IRPJ. “O artigo 11 da Lei nº 13.202/2015 dá previsão para a aplicação reflexa da CSLL”, lembrou o sócio do Amaral Veiga Advogados Associados, Allan Fallet. “O tema, inclusive, já foi ao Carf, com acórdão da Câmara Superior com este entendimento”.

Um futuro amigável

O Brasil, ao atualizar o seu tratado para evitar a bitributação com a coroa sueca, segue a tendência de modernizar as regras do jogo tributário entre as nações. Os anos recentes viram a assinatura de termos com Singapura, Suíça e Emirados Árabes Unidos. Além destes acordos, ganhou destaque a atualização do tratado Brasil-Argentina, já apreciado pelo Congresso e internalizado pelo governo brasileiro.

A tentativa de facilitar a resolução dos conflitos fica clara com a adoção do procedimento de resolução amigável. Nela, uma saída extrajudicial pode ser adotada nos casos em que uma pessoa considera que as ações de um ou ambos os Estados resultam, ou possam resultar, em tributação em desacordo com as disposições da própria convenção.

“Saltou aos olhos, todavia, que se incluiu nessa alteração um prazo de três anos, contados da primeira notificação que resultar em tributação em desacordo com a Convenção, para que a pessoa ‘lesada’ possa requer o procedimento amigável”, argumentou Lorenzoni, que lembrou que este prazo “inexistente anteriormente”.

“Estes acordos bilaterais preveem regimes diferenciados de tributação, mas os Estados levam em conta a neutralidade global da tributação”, afirmou Fallet. Neste caso específico, ponderou o tributarista, “os acordos passam a ter uma natureza multilateral, afastando a neutralidade fiscal, tomada como base em uma convenção que originalmente era bilateral”.

Ao fim, a celebração de acordos de tributação acena para a internacionalização da economia brasileira. “Os novos acordos celebrados podem incrementar as relações comerciais do Brasil com tais países, especialmente por estabelecer mecanismos claros para evitar dupla tributação”, ponderou Luís Flávio Neto. Na visão do professor, tais acordos também impõem restrições e demandam atenção dos contribuintes, “especialmente por envolver países tradicionais em estruturações societárias com países reconhecidos como offshore, como o Uruguai”.

 

Foto: World Island Info/Flickr

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