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De Pompeia a Brumadinho

Por Jeroniza Albuquerque

postado em 08/02/2019 15:31 / atualizado em 08/02/2019 15:43

Em artigo publicado pela Associação de Mulheres de Carreira Jurídica Nacional, a auditora fiscal do Amazonas e diretora da Febrafite, Jeroniza Albuquerque, compara a tragédia ocorrida recentemente em Brumadinho (MG) à erupção vulcânica que devastou a cidade romana de Pompeia no ano 79 d.C. e alerta para a necessidade de proteger o essencial, respeitar a resiliência da natureza e suas funções ecológicas e ambientais. Leia na íntegra: 

De Pompeia a Brumadinho

Dentre as grandes catástrofes do mundo, quem não se recorda da histórica erupção do Vesúvio, ao despejar inesperadamente suas flamejantes lavas sobre Pompeia, a cidade italiana, no ano 79 d.C.?

Recentemente, em 2010, incrustando-se na história dos Estados Unidos, tem-se um dos piores desastres ambientais: a explosão da plataforma Deepwater Horizon que despejou, no golfo do México, aproximadamente 5 milhões de barris de petróleo. A mancha de óleo atingiu os Estados da Flórida, Alabana, Mississipi, Louisiana e Texas, causando a morte da fauna e flora marinhas, danificando o meio ambiente, provocando, assim, enormes perdas à humanidade.

No Brasil, inúmeros acidentes ecológicos – crimes contra o ecossistema, na realidade – espalham a dor e o desespero na sociedade. As chuvas, em Santa Catarina, no Vale do Itajaí, 2008, nas regiões serranas de Teresópolis-RJ, em 2011, trouxeram as maiores tragédias climáticas, causando a morte de centenas de pessoas.

Ao que parece, pouco se aprendeu com o tão recente desastre de Mariana, em Minas Gerais. Há poucas semanas, o susto acompanhou uma profunda tristeza: Brumadinho, cidade também mineira, foi bruscamente soterrado pela lama da barragem do Córrego do Feijão.

Medidas de segurança e providências eficazes para garantir o trabalho nas mineradoras e nas cidades circunvizinhas são requisitos básicos. É de suma importância agir protegendo o meio ambiente e respeitando a Natureza. Não é preciso ser técnico especializado ou conhecer noções de engenharia para compreender que a descida da água não se controla tão facilmente.  Quantas barragens ainda teremos a espera da gota d’água que falta para transbordar?

No caso de Pompeia, nada se podia fazer, tratava-se de um fenômeno da natureza – a erupção do Vulcão Vesúvio. Quando observamos as questões que envolvem o trágico episódio em Brumadinho, emergem a negligência e o descaso para evitar tal situação, traço emblemático que persiste no Brasil.

Já nos foi dito em noticiário de jornais, pelo presidente da Vale Fábi Schvartsman, que das 19 barragens em Minas Gerais, 9 foram descomissionadas, inclusive a de Brumadinho, mas apesar dos lautos técnicos a barragem se rompeu.

Se nos propusermos a tecer comparações entre os atentados contra a natureza no Brasil e nos Estado Unidos, constataremos que por lá a pessoa jurídica responde criminalmente e ambientalmente por crimes cometidos por seus representantes. Enquanto isso, no Brasil, só se responde por crimes ambientais. Para tanto, basta verificar a diferença na aplicação das leis nos dois países, para a petroleira Britânica PB e para a Vale do Rio Doce.

Após essa comparação, constata-se que para coibir esses crimes é mister que se tenha políticas públicas adequadas, leis com regras claras, códigos de ética, regulamentos e normas que assegurem, ao infrator, a certeza da condenação e o encarceramento em caso de crimes ambientais, aplicando severas punições.  Neste contexto de punições formais, incluem-se pesadas multas e seu efetivo pagamento.

Não se pode negligenciar o monitoramento e a fiscalização dos órgãos públicos e da sociedade, observando sempre o impacto das ações no meio ambiente. Leis frágeis são ineficientes e a punição torna-se branda e ineficaz.

Catástrofe socioambiental, semelhante à de Mariana, Herculano, Congonhas, Itabirito, e tantas outras, poderiam ser evitadas se as leis se cumprissem, a CF/1988 já estabeleceu em seu artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O que falta, por parte do governo são políticas públicas adequadas, que visem assegurar direitos de cidadania, para as empresas, o cumprimento das leis. A punição em forma de encarceramento não supre todos os índices que envolvem esse tipo de crime; deve haver rigorosa fiscalização preventiva e recursos para preservar o meio ambiente, sob todos os aspectos, para que tragédias não se repitam, na certeza da impunidade e do lucro certo.

A World Declaration on the Environment Rule of Law, publicada recentemente, tem como objetivo e fundamento a consecução de um Estado de Direito Ecológico. Essa norma tem por base a justiça ambiental, princípios essenciais e procedimentos avançados em sua execução, considerando o Estado de Direito Ecológico fundamental para proteção e preservação da natureza.

Essas regras propõem novos caminhos para que uma sociedade complexa, capitalista e fundamentada no uso de recursos naturais repense o trato com a natureza e com a coletividade, priorizando a qualidade de vida das futuras gerações, bem como a dignidade de todas as formas de vida, a ética ecológica e o direito da natureza. A sociedade precisa reconhecer a necessidade de proteger o essencial e respeitar a resiliência da natureza e suas funções ecológicas e ambientais.

Enquanto isso, levaremos anos para explorar o solo de Brumadinho, em busca de restos mortais de moradores e funcionários, de animais, de utensílios domésticos e material de trabalho, computadores, joias e afins, como aconteceu na velha Pompeia, hoje campo de estudos de museu arqueológico.

Como disse a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “a expectativa do Ministério Público é elevada para as soluções…aquele que comete uma infração tem o dever de reparar o dano”.

Versava Carlos Drummond de Andrade, no primeiro poema sobre sua cidade natal, olhando o monte em torno da paisagem de Itabira: “Cada um de nós tem seu pedaço no pico de Cauê”. Isso porque, em 1942, a Vale do Rio Doce foi criada para extrair o minério de ferro do monte do Cauê, em Minas Gerais. 

 

Jeroniza Albuquerque – Presidente da Comissão de Trabalhos Permanentes sobre Meio Ambiente da FIFCJ, assessora sobre Meio Ambiente da Associação de Mulheres de Carreira Jurídica, Nacional. Auditora Fiscal do Estado do Amazonas desde 2000, presidiu a Associação dos Funcionários Fiscais do Estado do Amazonas e Plano de Saúde (AFFEAM) no biênio 2014/2015 e também ocupa o cargo de Diretora de Turismo e Eventos da Febrafite, com mandato até março de 2020.

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