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Artigo: A Ford se foi, e eu com isso?

postado em 18/01/2021 13:07 / atualizado em 18/01/2021 13:07

Auditor Fiscal da SEF/MG, Marco Túlio.

Para o governo federal, o fechamento da Ford no Brasil decorre de questões internas da empresa. Para o mercado, reflexo de incertezas e do elevado custo Brasil, espécie de mantra conhecido e já incluído na conta do brasileiro, a exemplo das reformas Trabalhista e Previdenciária.

O paradigma automotivo passa por carros elétricos ou híbridos, com elevado índice de tecnologia embarcada, o que requer investimentos e posicionamento estratégico. Nesse contexto, o mercado sinaliza que o Brasil não foi escolhido para tais investimentos. Cabe destacar que o governo brasileiro tem sua parcela nesta decisão, afinal anos seguidos sem crescimento do PIB aniquilou o poder de compra e o mercado interno.

A produção e venda de automóveis no Brasil, fortemente dependente do mercado interno, vem reduzindo desde 2013, reflexo da política industrial, de P&D e econômica, ou da falta delas. Não por acaso o país tem apenas montadoras estrangeiras.

Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o número de automóveis produzidos caiu de 3.700.000 em 2013, para 2.100.000 em 2016, com ligeira recuperação posterior.

Mas as questões locais (dependentes das políticas de estado) são aceleradoras de um posicionamento geoestratégico de realocação de unidades fabris (questão já citada, por exemplo, por Rogério Maestri).

É que atualmente nos países desenvolvidos, o custo dos desempregados (programas sociais e etc.) atinge valores altos. Para criar ou manter empregos a solução passa por priorizar a produção nos países sede, onde também estão os centros de inovação, e fechar unidades que literalmente são montadoras, situadas onde são oferecidas condições mais vantajosas de impostos, salários, escoamento de produção, entre outros, o que ocorre no Brasil.

Ou seja, a saída da Ford, da Mercedes, Audi e outras que poderão seguir, é questão de maximizar lucros e privilegiar a sede, ainda impactada pela queda de demanda interna no Brasil, reflexo do aniquilamento do poder de compra.

Cabe destacar os impactos para o cidadão-contribuinte. Em 2012, o Programa Inovar-Auto (atual Rota 2030) reduziu o IPI na importação, quando o fabricante mantivesse fábrica ou investimentos específicos no Brasil, além de outros benefícios tributários.

O Inovar-Auto fez a indústria automotiva nacional parecer momentaneamente competitiva, ao encarecer a importação (mero protecionismo). A produtividade, pesquisa, inovação, ou ampliação da cadeia de fornecedores nacionais pouco avançaram.

Então, o leitor já pode começar a montar o quebra cabeça do “e eu com isso”. O Inovar-Auto concedeu para as empresas estrangeiras incentivos tributários federais que custaram bilhões de Reais anuais desde 2012, sem aferição de contra partida, conforme relatório da Controladoria Geral da União (CGU), isso acrescido a benefícios concedidos em relação a tributos estaduais dentro da denominada “guerra fiscal”, sempre ao argumento de que tais empresas gerariam milhares de emprego por décadas, pois uma planta industrial não seria desativada após vultosos gastos para implantação.

Só que não. As multinacionais implantaram suas unidades valendo-se de bilhões em empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), com dinheiro do brasileiro. Geraram sim empregos, mas exigiram a reforma trabalhista e praticaram salários bem abaixo de outros mercados.

Pois é, e enquanto para o cidadão que recebe algum benefício federal, cuja despesa é prevista no orçamento, com gasto analisado e aprovado pelo Congresso Nacional, os bilhões em gasto tributário como o Inovar-Auto, não estão sujeitos ao teto de gastos e são de difícil controle.

Voltando à indagação do título, não serão apenas milhares de empregos perdidos, é a afetação da cadeia do setor e do comércio local, e a desestabilização de famílias que já pagaram a conta dos incentivos às montadoras e, em plena pandemia, ainda terão que lidar com o desemprego e mais desigualdades.

*Marco Túlio da Silva é auditor fiscal da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais e membro da Comissão Tributária da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite)

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Artigo originalmente publicado no blog de política do Fausto Macedo, do Estadão. Acesse aqui. 

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